Dia desses, perguntaram-me
quais os autores que estariam na base de seu saber. Sempre
que isto acontece, pessoas logo buscam expressões
máximas do conhecimento, pensadores do tipo Marx
ou Weber; mais recentemente pilares como Foucault, Babbha
ou Derrida compõem a lista dos inspiradores irretocáveis.
Há ainda os que evocam a literatura e então
prezam Tolstoi, Borges, Nabockov ou Auden. Recentemente
Kerouac tem aparecido como uma espécie de queridinho
dos jovens “cult”.
Os nacionalistas logo apelam para Gilberto Freyre ou Sérgio
Buarque de Holanda; a nova geração se ampara
nos textos de Eduardo Silva ou Nicolau Sevcenko. Os mais
sagazes, com medo de errar, apelam para clássicos
como Machado de Assis, Guimarães Rosa, e o nosso
Monteiro Lobato também quase nunca falta. Clarice
Lispector e Nelida Piñon também figuram como
uma espécie de vingança do secular silenciamento
feminino. Enfim, sempre os “grandes”. Por lógico
a insegurança determina escolhas acima de qualquer
suspeita.
Mas pensei na sinceridade da resposta e na oportunidade
de uma justa homenagem. Como é sabido, o Vale do
Paraíba é celeiro de bons professores e não
é à toa, por exemplo, que Guaratinguetá
foi conhecida como Atenas do Vale. Do Vale, tive mestres
incríveis como o saudoso professor Eduardo D’Oliveira
França. Cavando mais fundo, porém, recuo ao
meu tempo de mocinho e passo em revista alguns saudosos
professores do tempo do colégio. Entre tantos, cabe
acarinhar uma pessoa muito especial em minha formação:
dona Maria Morgado de Abreu. Ela significou muitíssimo
para mim. Sobretudo, era doce e apaixonada pela docência.
De certa forma, dona Maria Morgado acompanhou, por inteiro,
a trajetória de estudantes que fizeram o curso clássico
e depois optaram pela área de História na
Faculdade de Filosofia de Taubaté onde ensinava História
do Vale do Paraíba. Sinceramente. Nos anos de 1960,
aquilo, porém, parecia sem sentido. Frente às
possibilidades de estudar o passado da humanidade, questionávamos
dos porquês da História Local ou Regional,
e, então não entendíamos o sentido
sagrado da missão daquela mestra. Incansável,
porém, dona Maria levava sua tarefa com entusiasmo
e trocava nossas tolas polêmicas estudantis pelo carinho
e apreço com que recriava Taubaté dando, inclusive,
um destaque heróico por vezes exagerado. E com que
convicção ela abordava as investidas de Taubaté
no âmbito do Brasil!
Aliás, esta marca – de ver nossa querida cidade
como uma espécie de capital histórica do país
– graciosamente é uma das características
que ainda talham os olhares dos historiadores locais. Acontece
que a suave mestra conseguia passar sua mensagem. Carregada
de fotos, jornais antigos, mapas, ela dissertava sobre a
dinâmica de Taubaté como quem mostrava feitos
napoleônicos. E promovia exposições,
fazia-nos conhecer a produção artística
de Georgina de Albuquerque, os filmes do Mazaroppi, colecionar
velhas receitas de petiscos. Tudo com entusiasmo de quem
revia a façanha universal filtrada por nós
valeparaibanos.
Havia outras virtudes da mestra, é claro elegante,
gentil e determinada. Elegante na postura além de
muito bonita vestia-se com rigor; gentil, sabia ser cordial
e severa e nos limitava nas notas; determinada, definida
em sua opção de pesquisa escreveu textos básicos
para o conhecimento de nosso passado local. Eis alguns:
“Aspectos do Folclore em Taubaté”, “Taubaté
de Núcleo Irradiador de Bandeirismo a Centro Industrial
e Universitário do Vale do Paraíba”,
“A Culinária Tradicional do Vale do Paraíba”;
“História de Taubaté Através
de Textos” e “Aspectos Geográficos do
Vale do Paraíba e Município de Taubaté”
(alguns em parceria com Antonio Carlos Argôllo Andrade).
Em qualquer de seus escritos, presidia um brado de louvor
à terra.
Além de aluno de dona Maria Morgado, fui colega dos
filhos mais velhos da querida mestra. Conhecendo-a como
mãe, na intimidade do lar, pude vislumbrar outro
modelo de pessoa. Poucas vezes via alguém com tamanho
desprendimento e capacidade de harmonizar diferenças.
Guardo dela lembranças especialíssimas e é
para ela que vai minha homenagem no dia muito especial “dos
professores”. Sabe, e fico pensando, será que
ela não foi o modelo primeiro que calcou em mim o
ardor pela docência?