Por Paulo de Tarso Venceslau
Tempos de Lulla

Recebi dois emails. Um, de meu amigo José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, redirecionando-me uma carta que um ex-aluno lhe enviara. Apesar do cunho pessoal, a carta é uma fotografia da nossa realidade para os que não fazem parte da companheirada que tomou de assalto Brasília. Não há a menor referência sobre política ou economia, o que não faz a menor diferença. Outro, de Luiz Fernando Alessi, um amigo de Ribeirão Preto, que traz uma adaptação do poema “No caminho com Maiakovski”, creditado ao poeta russo mas na verdade escrito nos anos 60 pelo poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, que adaptou uma poesia de Martin Niemöller, em 1933, líder religioso na Alemanha que viveu o holocausto e foi prisioneiro em uma campo de concentração nazista.

Prezado Prof. Zé Eli,

Aqui quem escreve é o Castanho (Marcos Castanho da Silva), fui seu aluno na FEA, há alguns anos atrás. Eu havia estudado Psicologia na PUC-SP, também, e fazia mergulho. Lembra-se? Compareci a um coquetel de lançamento de um de seus livros
("Cidades Imaginárias"). Respondi a sua "Carta Aberta aos Amigos" e espero ter sido útil, de alguma forma. ...

Prezado Professor e amigo José Eli da Veiga.
Não estou conseguindo emprego. De fato, já estou há alguns anos desempregado. O que eu faço? Será que o sr. pode me dar uns conselhos ou mesmo dar referências minhas para empresas que estejam precisando de pessoas com o meu perfil? Já estou entrando em desespero! Completei 36 anos no dia 18 de agosto, passado, e até agora nada!

Sou inteligente, criativo, tenho ampla cultura geral, sou bom para as pessoas, tenho muito bom relacionamento interpessoal, falo três línguas, fora o Português nativo, estudei economia pela FEA-USP, estudei Psicologia na PUC-SP, mas parece que, no Brasil, as pessoas inteligentes não são valorizadas.


Possuo as seguintes habilidades pessoais: Autodidática, Capacidade de Integrar Pessoas, Capacidade de Organização, Criatividade, Facilidade de Adaptação, Facilidade de Aprendizagem, Força de Vontade, Iniciativa, Pró-atividade, Sociabilidade, Facilidade de Comunicação e Expressão, tenho ampla habilidade com ferramentas de informática; não vou ficar exacerbando qualidades porque isso denota falta de humildade e falta do que falar; não obstante, não me dão emprego.


As empresas estão me desprezando, não me dão atenção, nem sabem quem eu sou, apesar de eu já ter enviado, centenas, milhares de currículos. Me sinto excluído.


Vs. Sª. que sempre foi tão lúcida talvez possa me ajudar nesse momento.

Atenciosas saudações.

Marcos Castanho da Silva

 

 

No (des) caminho com Maiakóvski

"[...]
Na primeira noite
Eles roubam dinheiro do povo de Ribeirão Preto.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
são acusados, pelo irmão da vítima, de participar
da morte de Celso Daniel.
E não dizemos nada.

Na terceira noite,
o secretário geral do partido recebe um carro importado
de empresa que prestava serviços para a Petrobrás.
E não dizemos nada.

Na quarta noite,
o tesoureiro distribui malas de dinheiro
para comprar o apoio de deputados.
E não falamos nada.

Na quinta noite,
o filho do chefe recebe milhões de reais
de uma empresa privada.
E não falamos nada.

Na sexta noite,
o ministro utiliza empresas estatais
para perseguir um caseiro
e uma montanha de dinheiro sujo é encontrada com amigos do chefe.
E não dizemos nada.

Até que um dia,
o chefe deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]"

Autor desconhecido




 

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