A
lógica moderna é sempre um desafio para quem
insiste em ser tolerante, quando não concorda com
o que está prescrito como norma ou conduta. Sem argumentos
contrários, ou carente de opinião pessoal
sobre o que é “justo” ou “injusto”
tudo fica muito raso e isto permite sentir que somos um
rebanho de obedientes que não contestam moralidade
das leis. Duvidando dos pressupostos comportamentais, coleciono
algumas historinhas que não se explicam sem arranhões
que se fecham em absolutos.
Em nossos dias, tudo está muito convencional, racionalizado
sem critérios sensíveis ou questionadores
das variações. Lembro-me de uma frase clássica
do Millôr Fernandes que pontifica algo dramático
“A justiça é igual para todos, aí
já começa a injustiça”. A neutralidade
desejável, contudo, ganha contornos trágicos
quando se abre para pólos que se extremam e se situam
no simplismo do “certo” ou “errado”.
Os lugares das dúvidas, dos meios-termos, ficaram
esvaziados e até perdem lógica no “sim”
ou no “não”. Eu particularmente não
aceito sem restrições o “claro”
ou “escuro”. Sinto que há fatalmente
um possível “entretanto”, algo que não
radicaliza resultados e que leva em conta fundamentos subjetivos,
motivações justificáveis. Talvez por
existir pessoas que ainda prezam o “não é
bem assim” ou o “será que não
poderia ser diferente”, os debates em torno da ética
experimentam uma ressurreição. Mas deixemos
a teoria e vejamos situações algumas práticas.
A
lenda
Há uma lenda urbana que me perturba faz tempo. Conta-se
que em uma padaria, apenas um serviçal prestava atendimento
a uma longa fila de clientes que, basicamente, se alternavam
na compra de queijo e/ou presunto. Pois bem, a intermitência
dos dois segmentos de clientes provocava demora visto que
ora era um produto a ser cortado, ora outro. A variação
implicava tempo e prejuízo para todos. Num rompante,
irado, o serviçal teria gritado: “vamos fazer
duas filas, uma para o queijo e outra para o presunto”.
Obedecido em sua autoridade de controlador dos produtos,
tudo ficou prático para ele que atendia, mas para
o pessoal que estava na fila, a espera do outro produto
demorava muito mais.
Que fazer no caso; quem ganharia com a organização
daquele caos? Estaria certo o empregado da padaria que,
para facilitar seu trabalho, racionalizou de maneira eficiente
o atendimento? Haveria um meio termo capaz de agradar os
clientes das duas filas? Em termos de vantagem, quem seria
o grande beneficiado? Não dá para desprezar
a vantagem gerada para a fila que escolheu o produto que
estava à mão do empregado no momento da decisão.
Mas seria correto para os demais que buscavam o outro produto?
É verdade que ao fim e ao cabo, haveria uma compensação
geral, pois a economia de tempo e de energia despendida
na troca do queijo para o presunto reduziria a jornada de
trabalho do moço. Sabe-se, contudo que a visão
de conjunto é mais teórica do que prática.
E um dos pecados da modernidade é justamente a noção
de coletividade
Desafio
A consideração deste caso convoca nosso juízo
que é desafiado a considerar a importância
da ética no reino humano. Sempre somos chamados a
opinar e o fazemos em termos dos interesses pessoais, imediatos.
Talvez, o grande problema da modernidade seja o encurtamento
do compromisso com o amplo. Isto implica na troca do interesse
geral pelas questões do indivíduo e de seus
direitos exclusivos. Mas, quase sempre, frente à
regra não discutimos sua legitimidade e assim delegamos
a outros as decisões e assim, pouco mais resta que
obedecer sem discussão. Esta mensagem é pois
dirigida especialmente àqueles que em tempos modernos
não querem apenas pensar que “uma coisa é
uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Há
mediações.