Um dia o telefone tocou e, já na primeira gaguejada… era o Papete. Me falou de uma linda mulher, de corpo esguio, boca carmim e olhar sensual, capaz de levar um homem pra loucura, narrando a deusa com uma empolgação que me deixava em dúvida qual era sua intenção: será que ele está querendo me aproximar dessa pessoa encantada? Depois de esgotar seu vocabulário de louvações, veio o motivo da ligação: ele havia encontrado essa pessoa e estava apaixonado até a raiz dos cabelos. Precisava que eu criasse uma canção de amor onde todas as virtudes dessa mulher fossem cantadas, pois só mesmo uma canção de amor para consagrar essa paixão.
A gente se conheceu no final dos anos sessenta. Quando no começo dos setenta eu e Sérgio Mineiro formamos o grupo Água, Papete era músico do Jogral e já desfrutava de grande prestígio na noite de São Paulo. Além de ser excelente violonista e compositor inspiradíssimo, Papete foi um dos maiores percussionistas brasileiros. Quando o Água fez uma temporada no Jogral, Papete gostou tanto do som que ele mesmo “se entrou” para o grupo de onde só saiu para tocar com Vinicius e Toquinho em infindáveis excursões pelo mundo afora.
Mas ele nunca esteve muito afastado do meu trabalho; foram anos de parceria. Em quase todos os discos que gravei, tinha Papete. Quando Almir Satter surge na cena musical, Papete foi tocar com ele. Outros muitos anos de música e talento.
Paralelamente lançou seus próprios discos, os primeiros pela Marcus Pereira, onde criou um rico material sobre a música maranhense. Um artista raro. Único.
Morreu com Papete uma vertente rítmica, uma expressiva manifestação da dinâmica humana, úmida, ligeira e capaz de criar sonoridades tão amplas quanto o universo. Transformava um simples caxixi num carnaval de variações e divisões surpreendentes.
A música não para quando um cara como Papete vai embora da terra. Ficam a obra gravada e as imagens, garantindo a passagem para o futuro.
Por Renato Teixeira, renatoteixeira@jornalcontato.com.br