Sim? Ótimo! Vamos então de Milagre (Kalimba), o novo trabalho do violonista, compositor e arranjador Gabriel Improta.
Tudo começa com uma lindíssima interpretação de “Passarim” (Tom Jobim). Com uma formação minimalista, o violão de Gabriel Improta tem no contrabaixo acústico de Rodrigo Villa e na bateria de Rafael Barata os parceiros para criar o clima de quietude pedido pela composição jobiniana: o violão dedilha a melodia. Logo o baixo alterna notas da melodia com sequências de improvisos. Munida apenas de vassourinhas, a bateria se une a eles. O ritmo quase melancólico da música desata em admirável suingue. E assim o som rola macio, cadenciado. Por entre os caminhos abertos pelo solo do violão, a melodia soa pujante, vigorosa que está pelo acompanhamento do contrabaixo e da bateria. Aula de interpretação. Já com a primeira parte sendo finalizada, a bateria, com baquetas, somada ao baixo e ao violão, deságuam num desenho arrítmico criado por Jobim, e que hoje é como se já fizesse parte da composição. Passando novamente pela introdução, a bateria crescendo nos pratos, tem início um impressionante improviso de Improta. Enquanto a bateria usa quase todas as suas peças, ao baixo cabe pulsar o arranjo de GI. É quando rola um falso final. Mas ainda tem mais: por entre rufos da bateria e repetições de notas do baixo, o piano emerge tocando a introdução. Meu Deus! Alguns curtos solos da bateria, amparados pelo baixo repetindo uma nota em pedal e o violão tocando pequenos trechos da melodia… e tudo cresce em formidável dinâmica. No ápice do que se afigura como um grandioso final, ainda há tempo de o violão restar solitário. Ao fundo, ouve-se pios de passarim.
Em “Choro Para McCoy” (Gabriel Improta), o arranjo traça um perfil exato da fortaleza rítmica e melódica do tema. A introdução, com percussão sob o comando de Marcos Suzano e Daniel Barata, cria a cama para a guitarra (Gabriel Improta) e o contrabaixo elétrico (Rodrigo Villa) se esbaldarem. Compassos depois, chega a flauta de Marcelo Martins, bem como o trombone (Fabiano Segalote) e os saxes (Dirceu Leite). Pura festança popular brasileira. O arranjo para os sopros é contagiante. A percussão e a bateria dão sustança à pisada. O trombone protagoniza. Repetindo notas graves, ele ajuda a criar a atmosfera que ponteia o tema. É o samba-jazz, meu ‘broder’.
“Milagre”, a canção praieira de Dorival Caymmi, chega sob as bênçãos do violão (Improta), do baixo elétrico (Rodrigo Villa), da flauta (Carlos Malta), da bateria (Rafael Barata) e da percussão (Marcos Suzano). Um ritmo sensual eleva a canção. Ao fundo, ouve-se uma voz feminina: Brancka. Logo o violão sola enquanto a flauta cria frases melódicas tocadas em terças. Uma levada em samba revela a Bahia à beira-mar. Num belo duo, Brancka volta a cantar em terças com a flauta. A picardia baiana bole no compasso do samba lento… Bem Dorival.
O CD Milagre é mais do que as palavras dizem.
por Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4