Jornalistas da Gazeta do Povo de Curitiba, Paraná, divulgam salários de magistrados são alvos de ações e processados 37 vezes por magistrados e promotores que receberam acima do teto constitucional em 2015.
Mesmo comprovando tratar-se de reportagem baseada em dados públicos oficiais, magistrados e promotores retaliaram, por conta das reportagens, três repórteres, um analista de sistemas e o responsável pelo visual gráfico das matérias que viraram réus em 36 ações em juizados especiais, e também uma ação na Justiça comum – todas elas movidas por juízes e promotores que se dizem ofendidos com o que foi publicado.
Associações e o Sindicato dos Jornalistas do Paraná criticaram a reação de magistrados e promotores que entraram com dezenas de ações contra profissionais do jornal Gazeta do Povo.
Objeto
O jornal publicou, em fevereiro, uma série de reportagens que mostravam os salários acima do teto constitucional, pagos pelo Tribunal de Justiça (TJ) e pelo Ministério Público do Paraná (MP). As reportagens se basearam em análises de dados encontrados nos portais da transparência do MP e do TJ.
Nas ações que correm nos juizados especiais, os profissionais do jornal são obrigados por lei a comparecer às audiências. Eles já estiveram em 19 delas nos últimos dois meses, percorrendo para tanto 6,3 mil quilômetros.
A direção da Gazeta do Povo disse ao Portal G1 que reafirma respeito pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, e que lamenta que dois promotores e um grupo e magistrados tenham optado por uma ação orquestrada que representa um gravíssimo atentado à liberdade de imprensa.
“Esse grupo de magistrados, na prática, o que eles estão cometendo é um atentado grave à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, à liberdade de informar ao público aquilo que é de interesse público”, afirmou o diretor de redação do jornal, Leonardo Mendes Júnior.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou que repudia a retaliação de magistrados e promotores do Paraná ao jornal Gazeta do Povo e seus profissionais.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse que a iniciativa conjunta, em diferentes locais do Paraná, tem o claro objetivo de intimidar, retaliar e constranger o livre exercício do jornalismo.
O Sindicato dos Jornalistas do Paraná também condenou as dezenas de ações em juizados especiais. “A gente não pode deixar que uma afronta ao direito constitucional da sociedade de ter livre informação seja atacado dessa maneira”, disse o presidente do Sindijor, Gustavo Vidal.
Outro lado
As associações que representam magistrados e promotores defenderam as ações nos juizados especiais.
A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) afirma que a intenção das ações individuais não é de modo algum inviabilizar o trabalho dos jornalistas, e que, de acordo com as regras processuais vigentes, a parte que entende ter sido lesada em seu direito pode ajuizar a ação no local em que reside. A Amapar informou ainda que apenas 2% dos associados entraram com ações.
A Associação Paranaense do Ministério Público disse que o exercício do direito de ação é assegurado a todos os cidadãos de nosso país, e que as ações desse caso não representam, em hipótese alguma, tentativa de ferir o direito de informação, nem buscam atacar a liberdade de imprensa.
Prêmio e reações
As perseguições sofridas por esse veículo e seus profissionais motivaram o júri responsável pelo Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2016, concedido pela Associação Nacional de Jornais.
O prêmio será entregue no dia 18 de agosto próximo. A reação foi imediata. “A postura da ANJ de premiar jornalistas por matéria tendenciosa sobre os vencimentos da magistratura é um atentado ao direito à informação”, divulgou em nota a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), assinado pelo seu presidente João Ricardo Costa.
A entidade afirma na mesma nota que a reportagem “não explica que verbas indenizatórias não são submetidas ao teto constitucional” e que essa postura “revela uma lamentável política de desinformação à cidadania”.
Imediatamente o presidente da ANJ, Carlos Lindenberg respondeu à AMB que a associação não questiona o direito constitucional de todo cidadão recorrer à Justiça, mas rejeita o expediente utilizado no Paraná, que é similar ao já utilizado contra os jornais Folha de S.Paulo (SP) e A Gazeta (ES).
Para Lindenberg, “Em ambos os casos, todas as ações foram ganhas pelos jornais e jornalistas. A inadequação desse tipo de ação, aliás, é reconhecida pela própria AMB ao afirmar que discorda ‘da estratégia definida’ e entende que ‘a melhor ação seja de natureza coletiva, pois se trata de um direito constitucional’”.
Reportagem original do jornal Gazeta do Povo pode ser lida AQUI.