Ataque terrorista à boate Pulse, em Orlando, nos Estados Unidos no último final de semana deixou 49 mortos, tornando-se o maior ataque terrorista em solo americano desde o 11/09/2011; em resposta, grupos de Taubaté protestaram contra a LGBTfobia (reportagem de Nathalia Oliveira) e Daniel Reis, professor da UFF analisa o episódio em sua crônica “Os desafios do terror e do medo”

O que era para ter sido momentos de diversão se transformou em tragédia na madrugada de domingo, 12, na boate gay Pulse, em Orlando nos Estados Unidos. Os frequentadores da balada dançavam e se divertiam na “Festa Latina” que rolava quando Omar Mateen, 29, começou a atirar. Apesar da música alta, os frequentadores ouviram os disparos. Alguns se esconderam no banheiro, outros conseguiram fugir pela saída dos fundos. Mas, para as 49 vítimas a vida acabou. Omar, norte-americano de descendência árabe, ao perceber que autoridades cercavam o local, fez de refém as pessoas que ainda estavam no local. A polícia invadiu o local e ele atirou em si mesmo.

Uma a cada três pessoas que estavam na Pulse foram alvejadas. Além das vítimas fatais, 53 ficaram feridas. O ataque em Orlando é considerado o mais letal na história dos EUA. O massacre levantou discussões no país e no mundo a respeito do terrorismo, do atirador que teria ligações com o Estado Islâmico, e, principalmente, da LGBTfobia marcada pelo ódio e preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.

Reflexos na terra de Lobato

Em Taubaté, o ataque motivou um ato público na quinta-feira, 16, na Praça Santa Terezinha, organizada pelo Coletivo Horizontes que milita pela liberdade sexual e de gênero. “Nos inspiramos no Ato Contra a Cultura de Estupro [realizado no mês passado]. A gente quer lembrar e mostrar pra sociedade que isso aconteceu lá, mas que isso também acontece aqui, LGBTs morrem todos os dias no Brasil” explica Willian Amaral, um dos organizadores. Os manifestantes utilizaram a praça como espaço para discutir as dificuldades que eles encontram diariamente. Com cartazes e velas acessas representando o luto, aproximadamente 150 pessoas caminharam em direção à Câmara Municipal para protestar contra a falta respeito e por seus direitos.

“Se você analisar as posições preconceituosas, assim como as ações [homofóbicas], [percebe-se] que são de um senso comum ao extremo. São reducionistas, explicitam uma fragilidade cognitiva e raciocínio limitado frente ao objeto. O sujeito não consegue explicar de uma forma racional a relação que ele tem com o objeto de ódio e preconceito”, explica o doutor em Psicologia Social da Universidade de Taubaté, Régis Toledo. De acordo com o psicólogo, conflitos internos pessoais e estereótipos presentes na sociedade estão na origem de ações preconceituosas.

De acordo com Toledo, as manifestações de raiva e de preconceito, desde casos extremos como o que aconteceu em Orlando até mensagens de ódio em relação aos LGBTs nas redes sociais, tem origem na fragilidade do próprio agressor. “O conflito psíquico do sujeito é tão intenso que ele vê aquele objeto do preconceito, que pode ser LGBT, mulheres ou torcedor de futebol de outro time, como ameaça. Por conta da sua fragilidade você quer destruí-lo. Quando não há um argumento racional, você tem que eliminar aquele grupo ou pessoa”.

Números preocupantes

De acordo com pesquisa realizada pela ONG Transgender Europe, rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Entre 2008 e 2014, foram registradas 604 mortes. Levantamento do Grupo Gay da Bahia aponta que um homossexual é morto a cada 28 horas no Brasil, 318 em 2015. Contando os últimos quatro anos, o número salta para 1.560. Segundo dados do Governo Federal, o disque 100 totaliza 8.099 denúncias de violência.

No Vale do Paraíba, apesar de não existirem índices sobre a violência contra LGBTs, o preconceito ainda é muito grande. “Aqui no Vale a gente tem um problema muito grande com a LGBTfobia. Estamos no interior de um grande Estado, apesar de estarmos em um ponto chave entre Rio de Janeiro e São Paulo, o coronelismo e conservadorismo ainda são dominantes”, esclarece Willian Amaral. “Você vê aqui, por exemplo, vereadores que pautam pela marcha da família tradicional e que usam o palanque para falar que viu um casal gay se beijando e que aquilo era horrível”, frisa.

O caminho para uma sociedade sem preconceitos e igualitária estaria na discussão de pensamentos e avaliação de costumes. “As pautas que eles (LGBTs) têm levado à sociedade diante da perspectiva de relações homoafetivas e a reorganização de modelos familiares, são extremamente importantes ao pensarmos nos dias atuais”, opina o Régis Toledo. “Essa postura de imediato vai resultar em reações às quais estamos vendo. Ao ocuparem os seus lugares (os LGBTs) explicitam aquilo que está mal resolvido na sociedade. O discurso de alguns setores do Congresso Nacional em relação a isto é só violência. É seríssimo”, finaliza o psicólogo, que destaca a necessidade de transformação e empatia para aceitação de diferenças.

 

Créditos fotos: Kas Hoshi/Coletivo Horizontes