Dizem que todos nós temos um outro lado, uma faceta mal conhecida. Sem buscar os obscuros de cada caráter, contudo, me propus a ajuizar trajetórias profissionais de quem, como eu, com anos de vida somados, já experimentou a possibilidade de pensar uma carreira constituída, madura e com sentido. Afinal, depois dos 70 anos é viável dizer de nosso papel no mundo. Parte-se do suposto de que nossa vida não se explica na solidão do “eu sozinho”, pois apenas ganhamos razão social se inscritos em projetos coletivos. Como já lembrava Aristóteles na antiga Grécia, o ser humano é um animal social.
Nessa direção, uma das pessoas que mais me levam a pensar em trajetórias de efeito social é o cantor, compositor e poeta popular Renato Teixeira. Não é, contudo, sem razão que o evoco, pois, como poucos, ele compõe os quadros permanentes de nossa constelação. Sim, vivemos cheios de personagens que cumprem a premonição de Andy Warhol ao propor que sempre temos nossos 15 minutos de fama. É verdade que a chamada “sociedade do espetáculo” proposta por Debord se alimenta da sucessão de “celebridades instantâneas”, mas a despeito do fulgor por mais rápido que seja o surgimento de alguns – e seus desaparecimentos – há os que resistem. E Renato Teixeira se situa entre eles, sem sair da mídia por mais de 40 anos.
Eclético em suas relações, consegue unir intelectuais, políticos e amigos no mesmo saco
Tomando Renato Teixeira – Renatinho para os íntimos – como parâmetro, pergunta-se: de que é feito o resiliente e discreto sucesso desse “bardo de Taubaté”? Ainda que as respostas sejam plurais, por certo muitos vão garantir que tal fama se deu em paralelo à construção do nosso cancioneiro sertanejo. Renato herdou a melhor tradição das chamadas “duplas caipiras” e, sem trair legados que misturam acordes com letras singulares àquele mundo, gradativamente, foi inscrevendo alguma modernidade como sons eletrônicos, efeitos especiais. Talvez a mágica de seu sucesso se justifique pela perfeita negociação entre o novo e o velho.
Suspeito de uma certa espontaneidade nisso, algo natural de alguém que vindo do Vale do Paraíba Paulista, soube fundir a saudade com desafio de viver transformações modernizadoras. É verdade que o arco existencial dele se deu na passagem da dominância do padrão rural para o urbano, do campo para a indústria, mas sem rupturas. Pelo contrário, foi costurando no presente o passado que desfiou letras que contam, descrevem e promovem “causos”. E não falta ternura e afeto em todas suas canções. Sim, Renato Teixeira é um narrador de histórias cantadas. Aliás, aí reside outro argumento importante que diferencia a música caipira da música sertaneja. A caipira é aquela feita e consumida diretamente, sem gravação e fala de coisas próximas. A sertaneja, potente mercadoria da sociedade de consumo, se faz na cidade, por pessoas advindas do campo, mas como soluções urbanas e contagiantes. Como ninguém Renato Teixeira soube casar estas características. E como? Com o mais interiorano dos recursos: a camaradagem.
Renatinho com Juanito Roman na Fazenda Santa que pertenceu ao cineasta Amacio Mazzaropi
Amigo de todos, sua interpretação de “Amizade Sincera” é inigualável. Com certeza ao garantir afeições a tantos queridos, nosso Renatinho enreda companheiros que com ele formulam um movimento musical. São contadores de histórias que reinventam uma tradição e a autenticam na modernidade um passado que se pretende legendado nas páginas da atualidade. É aí que a grandiosidade do projeto pessoal se agiganta e se emenda em outros planos. Por certo, a qualidade e o requinte dos produtos musicais valem por si, mas também aquilatam uma trajetória que é do país. No futuro, não há de faltar historiadores que delegarão a Renato Teixeira o papel de guardião de uma memória nacional, da equivalência e reconhecimento da cultura interiorana que não se perdeu na metropolização do mundo capitalista. Olhem bem: isto não é pouco para um caipira Pirapora. Minha Nossa Senhora, abençoe nosso sertanejo mais moderno.
José Carlos Sebe Bom Meihy (jcarlosbm@hotmail.com)