Na quinta, 23, os britânicos optaram pela desvinculação do país da União Europeia. Venceu a Brexit, junção das palavras em inglês “Britain” (Grã-Bretanha) e “exit” (saída). A ficha só caiu dois dias e duas noites depois de noticiado o resultado do plebiscito no Reino Unido que aprovou a retirada por 51,9 % a 48,1 %
Vitória da barbárie e de valores medievais que pareciam sepultados. Um retrocesso que poderá custar muito caro à civilização ocidental. Uma opção só para quem foge da boa luta com regras transparentes para brigar fora do campo da civilização moderna.
Além de dividir a União Europeia, dividiu o próprio Reino Unido onde 62 % votaram pela permanência na Escócia, 55,8 % na Irlanda do Norte e a região de Londres 59,9% votaram pela permanência. Todas as outras regiões da Inglaterra e o País de Gales votaram por “sair”, com percentuais que variaram de 52,5% (País de Gales) a 59,3% (West Midlands).
Uma vitória digna dos hooligans na política.
Eleitores do Brexit comemoram a vitória da retirada do Reino Unido da União Europeia
Hooligans
São grupos que usam da violência para legitimar sua identidade ao diferenciarem-se dos demais grupos rivais. Desde o seu surgimento, quando aldeões da era medieval juntavam-se para divertir-se chutando uma bola feita a partir de uma bexiga de porco inflada, o futebol e as brigas generalizadas já estavam presentes em torno do que viria a ser o futebol.
No final dos anos 1890, o ressurgimento de um sentimento de patriotismo e xenofobia invadiu o meio esportivo do futebol e suas torcidas. Grupos que se identificavam por sua origem ou ideologia passaram a se confrontar sob o manto de uma bandeira e um ideal comum. O termo “hooligans”, desde então, passou a ser atribuído aos grupos que se digladiavam no futebol europeu.
Nos anos 1960 há uma explosão dessas torcidas de futebol europeu com um nível de organização que não havia antes. Brasões, bandeiras, slogans, hinos e cânticos passaram a exaltar a torcida, e não propriamente o time. E ao mesmo tempo, as diferentes torcidas de um mesmo time brigavam entre si apenas para marcar suas divergências.
Briga de hooligans no estádio de Heysell
União Europeia
O Reino Unido é formado pelo o conjunto de quatro países: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Nos anos 1950, surge o embrião da UE com seis países que formavam a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e a Comunidade Económica Europeia (CEE). Nos anos que se seguiram, a iniciativa cresceu com adesão de novos Estados-membros, aumentando sua esfera de influência. Mas a União Europeia só foi constituída de fato em 1993 pelo Tratado de Maastricht, após prolongado período de adaptação.
Sua criação foi um marco na civilização ocidental. Foi criado um sistema de instituições supranacionais independentes e de decisões intergovernamentais negociadas entre os Estados-membros através de suas instituições como a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia, o Conselho Europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Banco Central Europeu. E o Parlamento Europeu que é eleito a cada cinco anos pelos cidadãos da UE.
A juventude apoiou maciçamente a permanência na União Europeia
Civilização ameaçada
Até então parecia um sonho fantasioso a possibilidade de se eliminar fronteiras e assegurar a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, legislar assuntos comuns na justiça e manter políticas comuns de desenvolvimento regional com uma única moeda, o Euro, com uma população de mais de 500 milhões de pessoas. Um brasileiro que desembarcasse em Portugal ou Espanha, por exemplo, pode circular livremente pelos demais países.
Mas como toda regra tem exceção, o Reino Unido fez questão de aderir parcialmente às novas regras. Por exemplo, nunca assumiu o Euro como moeda nacional, mantendo sua Libra Esterlina.
Apesar de crises profundas vividas por países como Grécia, Portugal e Espanha, a União Europeia se consolidava como uma referência para um mundo futuro. E como tal passou a ser um espaço cobiçado pelos mais diferentes povos que buscavam se refugiar em algum porto seguro. As televisões exibem com frequência imagens sobre o drama vivido por milhões de refugiados em busca de um novo lar.
Um prato feito para a direita xenófoba que passou a pregar o mesmo discurso contra imigrantes e favor da retirada de seus países da União Europeia. Pouco valeu o fato de em 2012 ter sido laureada com o Nobel da Paz “por ter contribuído ao longo de mais de seis décadas para o avanço da paz e da reconciliação, democracia e direitos humanos na Europa” afirmando que “o terrível sofrimento durante a Segunda Guerra Mundial provou a necessidade de uma nova Europa. (…) Hoje, uma guerra entre a França e a Alemanha é impensável. Isto mostra que, através da boa vontade e construção de confiança mútua, inimigos históricos podem transformar-se em aliados”.
Isso é tudo o que a direita xenófoba não quer. Tal como o hooligan para quem vale mais a torcida do que o jogo, essa direita se preocupa com a preservação de valores que conflitam com tudo o que representa a União Europeia. Não interessa a esses hooligans jogar com regras democráticas e previamente estabelecidas. Os hooligans da política preferem implantar com armas e coturnos a lei do mais forte.
A vitória do Brexit pode ser um enorme salto no escuro
Mas ainda resta um fio de esperança. Pouco mais de 24 horas após a vitória do Brexit, uma petição on-line pedindo nova votação já reunia mais de 2,5 milhões de assinaturas.
Ao mesmo tempo, os seis países fundadores do bloco pressionam Londres a iniciar já sua saída para enfrentar a perda de um mercado com mais de 400 milhões de consumidores, enquanto a premier da Escócia anunciou que vai buscar a independência do Reino Unido e manter laços com a União Europeia.