Quando da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, um mundo de novidades chamou minha atenção. Detalhes regionais de cada país, idiossincrasias culturais, exotismos peculiares dos jogadores, enfim, uma série de novidades exóticas se apossou do imaginário coletivo. Como qualquer cidadão, coloquei meus pressupostos em questão e me abri a aprendizados, alguns interessantes, outros bizarros. Um deles, talvez o mais curioso, se remete a uma questão de tola aparência: o teor dos hinos nacionais cantados nas aberturas. De tal maneira isto me alarmou que arrolei alguns fundamentos de mensagens, contidas nas letras.
Todos sem exceção – como, aliás, o nosso próprio hino nacional – falam da iminência de uma guerra como se ela fosse estalar amanhã, logo cedo. E dizeres ufanistas – inapropriados mesmo – falam de lutas sangrentas, guerras com inimigos perversos, agentes implacáveis destruidores da paz e harmonia cultivadas na intimidade da pacatez dos lares. Em coerência com a cadência marcial, as letras consagram os vigores nacionalista e patriota, sempre idealizados. É claro que apoiei explicações no contexto da lógica do século XIX, ocasião em que os tais hinos foram gestados, postos na ordem do dia e propalados na oficialidade conveniente aos estados nacionais. Sem dúvida, hoje seria obsoleto dizer algo como “ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil” ou “dos grilhões que nos forjavam, a perfídia, astuto ardil”. É lógico que a noção de liberdade no mundo globalizado não está mais ligada ao vínculo coercitivo físico, e sim moral. Portanto, a liberdade hoje tem outros protocolos que não o julgo armado.
Mas não são apenas as canções (digamos) oficiais que me atraem. Pelo contrário, elas servem de impulso para outras legendas. Sinceramente, fico muito preocupado com os usos de eventos mostrados pelas diferentes mídias, em escala global. As “Olimpíadas”, por exemplo, me assustam frente aos significados que podem adquirir. É lógico que no cosmo capitalista tudo vira mercadoria, mas não é só isto, não. Desdobramentos como turismo, comércio de produtos relativos à divulgação do evento, mesmo as legítimas disputas por medalhas servem de propaganda dos países representados planetariamente. Sim, preside um caráter ideológico neste evento. Não que o esporte deixe de existir, mas a noção de “melhor do mundo”, quase sempre, se faz passível de críticas. Objetivamente, falo dos usos ideológicos do magnífico espetáculo. É exatamente aí que entra a crítica às “musiquinhas” que se remetem ao assunto.
Lembremos que durante os anos ferrados da ditadura, na Copa de 1970, a voga era cantada em estrofes do famigerado “Pra frente Brasil” como se “De repente/ é aquela corrente pra frente/ Parece que todo o Brasil deu a mão/ Todos ligados na mesma emoção/ Tudo é um só coração!”. Aliás, vale lembrar também que a empolgante “Eu te amo meu Brasil”, da dupla Dom e Ravel, transpôs o tom esportivo e se tornou uma espécie de hino da ditadura.
Sergio Mendes, Baby do Brasil e Rogério Flausino dão ritmo acelerado à letra
Não resta dúvida que Olimpíada é uma expressão também política. Basta lembrar, por exemplo, que o próprio idealizador da versão moderna dos velhos jogos, Barão de Coubertin, pretendia unir os povos pelo esporte. É sob esta chave que se coloca em questão a musiquinha proposta para a nova temporada olímpica, brasileira. Três figuras aparentemente desconexas se juntaram para gravar o “Se liga aê”. Baby do Brasil, Sergio Mendes e Rogério Flausino dão ritmo acelerado às seguintes palavras “Ê se liga aê/ sou brasileiro e no balanço vou dizer/ Ê, se liga aê/ sou brasileiro e no balanço abro os braços pra você”. Pronto: resta pensar em como nos posicionaremos entre a alegria do esporte campeão e o uso ideológico da festa. É claro que vou entoar o “Aê”, mas tomara que o eco não me deixe esquecer que vivemos um tempo golpeado por injustiças implacáveis.