Fico admirado quando vejo que nos livros de Dostoievski aos 40 anos os personagens eram considerados velhos, e aos 50 decrépitos, dignos de pena. Como tudo mudou… Nossa! E não era só na longínqua Rússia dos czares. Mesmo entre nós, lembremos, as antigas marchinhas carnavalescas satirizavam as mulheres de 30 anos chamando-as de balzaquianas. Evocando os romances franceses que implicavam moças que não se casavam, entre nós circulava a noção de “titia” ou “solteirona” para aquelas que – não importando a razão – “passavam da idade” e não constituíam nova família. Por certo, a alimentação, as vitaminas e demais condicionadores físicos, a maquiagem e as cirurgias plásticas, a indústria da moda veiculada por revistas, cinema, televisão, se juntaram para impor o padrão jovem como modelo ideal, principalmente para as mulheres.
Em contraste perfeito, a noção de velhice passou a ser referência para “velhos bem velhos”, gente que passa dos 85, 90 e até 100 anos. Aliás, vale lembrar que um dos dilemas do equilíbrio fiscal do orçamento do país exige a imediata reforma da idade de aposentadoria. Mas para que a mudança da cara da velhice se alterasse, foi preciso uma combinação completa de elementos que se articularam ao longo do tempo. E haja academia, caminhadas, tintas para cabelos, tônicos, remédios, regimes. Por lógico, esta mudança na aparência que faz enxergar a idade com lentes da juventude remete a também a uma cirurgia cultural que nos afeta a todos. Sim tudo se justifica pelo cultivo do corpo moço que, por sua vez, se apoia em justificativas que remetem à saúde, ao bem-estar psicológico e ao sucesso.
Para o bem ou para o mal, a minha geração é a grande protagonista dessas mudanças, e, eu que já passei dos 70, como uma boa legião de companheiros coetâneos, tenho que me provar as virtudes de permanecer jovem. O desmerecimento de uma alcunha que se pretendia simpática “terceira idade” foi desafiada a ser chamada de “melhor idade”, como se as dores, rugas, aumento de peso, queda (de tudo) não nos afetasse. Admitir tais condições passou a ser atestado de lastimável fim. E quantos fogem da velhice como se fosse a passagem trágica para a morte.
Os homens, saudosos de virilidades, muitos deles, tentam se esquecer de enfraquecimentos e apelam para as pílulas azuis, reavivando antigas potências. Coisa de louco. E as mulheres, muitas delas deslumbradas com a moda se fantasiam de meninas e não medem o ridículo no tamanho das saias, por exemplo. Mas, de modo geral, vivemos um vale tudo para a jovialidade. E ponha-se vale tudo nisso. Felizmente, existem os comedidos.
Devo me espelhar naqueles que mesmo sem desprezar as aparências, não envelhecem por outros motivos. Admiro muito os que aprendem com a vida, com os sofrimentos. É exatamente este o ponto que quero ferir: a arte de envelhecer. Confesso que aos poucos fui deixando algumas bobagens, manias esquisitas, coisas que entravavam meu solitário cotidiano. Já disse que a “maioridade” se dá quando fazemos 60 anos. Então, passado um tempo de vida, temos experiências acumuladas e podemos fazer opções para o futuro. É aos 60 anos, exatamente, ao 60, que escolhemos se pretendemos ser um “ancião” afável, um “velhinho gostoso” ou se pretendemos ser um ranzinza empedernido, desses que se arrastam e só falam mal dos outros, do governo, dos parentes. É claro que a escolha demanda circunstâncias, mas é bom pensar que podemos dar descontos nos atropelos alheios, ser mais flexíveis conosco, perdoar com mais facilidade e olhar o passado com a ternura de quantos querem um futuro de paz e harmonia. Não diria que atingi tal plenitude, não. Mas quando me olho na perspectiva do remoto, percebo que as escolhas feitas lá atrás me permitem me respeitar. Sinto-me jovem, então… Mais jovem do que nunca e com tal vitalidade dou meu beijo na trajetória que fiz e ainda tenho que desempenhar.