Ao primeiro dedilhado, um arrepio. Começa Só Baden (Fina Flor), álbum do violonista Marcel Powell.

Filho de Baden, Marcel encontrou no violão o seu porto seguro – instrumento que a ele se entrega de corpo e alma. Violão que nos permite supor ser como um espelho a refletir a imagem de seu pai no ato sublime de tocar. Ofício que Marcel aprendeu com Baden, quando sacou que só através das cordas de um violão poderia ter o pai ao seu lado para sempre.

Embalada em notas graves, arrebatadas de um violão que já se preanunciava não ser ainda de Marcel, mas sim de Baden, vem a introdução de “Vento Vadio” (Baden Powell), música que abre o CD. Ouve-se um crescendo virtuoso que confirma: quem abre o disco de Marcel é Baden. Graças ao reflexo no imaginário espelho/violão de Marcel, imagina-se uma gigantesca imagem do pai com o filho. Inspirado nessa presumível imagem, refletida em seu violão/espelho, Marcel toca à vida e a vida.

A seguir, ele sola “Samba em Prelúdio” (Baden e Vinícius de Moraes). Sua interpretação tem a singeleza estampada na limpeza das notas e nas nuances que recria. Com ardente profusão de acordes, armados em blocos com variações rítmicas, adiantando o tempo para retomá-lo mais à frente.

Cada introdução é como uma composição à parte. A música de Baden por Marcel soa como se fossem duas dentro de uma só. Assim é em “Samba Triste” (Baden e Billy Blanco). Após um início fulgurante, uma onda de improvisos mostram não só virtuosismo como também um grande entendimento harmônico: seus solos têm sustança; seus dedos, asas.

“Só Por Amor” (Baden e Vinícius) tem participação especial de Gilson Peranzzetta. A introdução, de tão bela, é de fazer sorrir. Logo o samba ganha tons ainda mais líricos. Os duos e os uníssonos se multiplicam, fazendo aumentar o sorriso no rosto.

Em “Canto de Ossanha” (Baden e Vinícius), o guitarrista Victor Bliglione divide o som com Marcel. Noutra introdução apaixonada, a sonoridade dos instrumentos se faz pura e bela. Juntos, brilham.

Então, podemos afirmar que o violão de Marcel mostra o filho à imagem e semelhança do pai? Apesar de parecer assim ser, assim não é. Marcel é dessemelhante de Baden Powell. O que pode parecer uma contradição deixa de sê-lo ao percebermos o quanto Marcel toca diferente de como tocava seu pai quando jovem.

Sua personalidade como instrumentista faz dele um músico em busca do violão do pai, certo; mas para nele se inspirar, para a ele acrescentar sua alma, sua técnica, também esta diferente da que nos mostrava Baden Powell – e nunca para imitá-lo.

Tão parecidos; tão dessemelhantes. Marcel herdou do pai, isso sim, a alma de violonista, a garra como vai às notas, impregnando-as de virilidade e beleza.

Assim segue ele, sendo cada vez mais plenamente reconhecido como algo além de um violonista que toca como o pai tocava. Para tanto, inibe “parecências” e solta ainda mais a originalidade de seu violão, como bem reflete Só Baden.

 

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4