Sempre que escrevo alguns textos que podem provocar debates, trato de enviá-los para amigos, ex-alunos e outros eventuais interessados. E então recebo retornos bons, alguns entusiasmantes e que convidam a digressões. Devo dizer, de saída, que nem sempre as ideias se afinam em conclusões amigáveis ou sequer tangíveis. Pelo contrário, as oposições se explicitam e isto nos faz críticos e assim melhores cidadãos, mais respeitosos.
Nada como o diálogo instruído e feito no sentido positivo da conversa que busca esclarecimentos. É verdade que os temas que instigam querelas, ultimamente, têm sido mais explosivos e partidários, às vezes deprimentes, mas quando se atravessa o turbulento rio da irracionalidade, pode-se beneficiar com posturas construtivas e daí decorrer crescimentos que dimensionam mudanças ou reafirmações.
O desagradável é quando o debate se esvazia de conteúdos argumentativos e tudo se reduz aos inefáveis “eu acho”, “na minha opinião”, ou então quando o interlocutor se apega a exemplos do tipo “minha tia perdeu o emprego”, “a vizinha foi ao hospital e não foi atendida”. E como dói ouvir algo que finaliza com “deu na televisão”, “está nos jornais” “está escrito”. Talvez o pior de tudo é quando alguém pontifica “é assim que mandam os mandamentos bíblicos”. Avesso disso, porém, os comentários do meu texto sobre o “direito à morte digna”, ou “morte assistida” mereceram cuidados reparos, juízos bem situados. Isso, aliás, justifica a volta ao tema.
Desmond Tutu, homenageado pela ONU
Diria que tudo ganhou dimensões ampliadas quando, o bispo emérito da Cidade do Cabo, na África, o anglicano Desmond Tutu, ao celebrar seus 85 anos declarou que defende a dignidade na morte. Isso dito por alguém que em 1984 recebeu o Prêmio Nobel da Paz deu quilate ao assunto. O jornal “Washington Post” divulgou, com destaque surpreendente, a notícia anunciando, pelas palavras do sábio que ele “sempre lutou pela dignidade dos vivos”, mas que agora passava a lutar também “pela dignidade na morte”. E são dele as seguintes palavras “assim como eu argumentei firmemente pela compaixão e igualdade em vida, acredito que pessoas com doenças terminais devem ser tratadas com a mesma compaixão e igualdade quando se trata de suas mortes”. Isto dito por alguém que tem a autoridade religiosa e o vigor de ter passado bravamente pelas questões do Apartheid ganha peso diferente, em particular quando este é diagnosticado com infecção recorrente, sugerindo agravamentos.
Mas há algo a mais nessa postura, pois há dois anos, o mesmo religioso publicou em outro jornal, no “The Guardian”, um libelo exatamente contra a “morte assistida”. O sensível da trama é que o arcebispo assume ter mudado de postura e se justifica. A reflexão que se faz, pois, vai além da mera alteração de postura. Muito mais, interessa notar que agora, doente, o personagem vivencia outra legitimidade. Precisei me valer do complemento dado pelo admirável bispo para retomar minha proposta.
Homenageado por Nelson Mandela
Aproxima-se o dia dos mortos e o tempo dedicado aos finados é ocasião propícia para a retomada do assunto em uma chave mais ampla. Temas como luto, dores familiares por perdas inesperadas, limites de tratamento de doenças, fatalidades ligadas à saúde em geral, se amarram como polos fulcrais para a redefinição da qualidade de vida hoje. Algo que muito me surpreende e chama a atenção é a carência de atualização nas abordagens sobre questões vinculadas à morte e ao comercio existente nessas passagens. Dentre todas, porém, a mais expressiva falta é exatamente a que se refere ao ato e participação dos personagens que inevitavelmente têm que passar pelo crivo do fim. Sinceramente, do fundo do meu coração: eu gostaria de decidir, no caso de haver escolha, como e quando quero morrer. E também saúdo a vontade de doar todo e qualquer órgão. O que sobrar, que virem cinzas. Tomara que persistam memórias. Boas memórias.
por José Carlos Sebe Bom Meihy – jcarlosbm@htmail.com