José Carlos Sebe Bom Meihy
Estava na fila preferencial do banco quando uma senhora educadamente pediu para passar na frente. Eu também estava com pressa, pois tinha mais um daqueles compromissos inadiáveis em outra cidade. Meio sem saber o que fazer, enquanto avaliava a situação, ouvi dela uma súplica simpática, “meu senhor, peço isto porque deixei meu cachorrinho amarrado no poste, à entrada do banco e ele não costuma ficar longe de mim por muito tempo”. Algo indignada pela proibição da agência, ela aludia que era absurdo o veto, posto ser pequeno animal, de estimação, amigo de todos.
Fiquei mais confuso ainda em vista de minha potencial perda de horário do ônibus que me levaria ao encontro marcado. Pelo sim ou pelo não, concordei, mas… Mas, não se deu o mesmo com o mesmo com duas outras senhoras que estavam adiante. Frente a minha gentileza, a dona do cachorrinho em tom mais alto do que o necessário para uma conversa personalizada ia se explicando. Em resumo ela, em instantes, contou que era viúva e que o único filho “um ingrato” mora em Manaus e nem liga pra saber “se estou viva”. Como resultado de sua infelicidade restava apenas um consolo: o tal cachorrinho. Mesmo que eu quisesse falar um pouco, não havia espaço. Mediante tanta narrativa, despontava a história da relação dela com o animalzinho.
Tudo teria começado exatamente três anos passados, quando depois de assistir a uma missa, à saída da igreja, ela fora assaltada, jogada ao chão e em sua defesa apenas um filhotinho de cão “uma coisinha de nada, pequenininho” ficou próximo dela. Acudida por transeuntes depois de algum pedido de socorro, foi levada para a delegacia para prestar queixa e na confusão o guarda, um “cara muito atencioso”, a conduziu com o bichinho para a delegacia. Acabado o registro o guarda que carinhosamente segurava o cãozinho se propôs a acompanhá-la até sua casa que era “logo ali, pertinho, pertinho”. Dizia ela que ainda não tinha se dado conta da confusão feita pelo guarda que tinha certeza de que o cachorrinho era dela. Tudo se esclareceu quando chegaram à portaria do prédio e o moço então entregou-lhe o bicho. Assustada ela tentou esclarecer. O guarda não tinha como levar o animalzinho de volta e assim se instalou um impasse: que fazer? Não precisou muito para que a boa senhora concordasse em deixar o pet em sua casa “mas somente por uma noite”.
Acolhendo-o com carinho, depois de leite e alguma comida requentada, os dois permaneceram sob o mesmo teto. Foi fácil o estabelecimento de afetos trocados. “Acho que ele me escolheu antes”, disse ela e, mesmo decidida a devolvê-lo no dia seguinte, achou melhor dar-lhe um nome. Provisoriamente, pareceu-lhe que Moisés seria boa solução, pois fora rejeitado e posteriormente achado.
Para a senhora que narrava o caso, a noite não deve ter sido boa, pois logo ela começou a conjecturar sobre o horário da devolução. Como nada havia sido acertado, ela deveria ficar o dia todo aguardando, o que era desagradável. Foi o que aconteceu, com um detalhe variante, porém: ela se deu conta da afeição que se inaugurava. A certeza deste amor a levou a rezar para que o guarda não viesse. E não veio naquele dia. Três noites passadas e eis que o solícito praça apareceu para passar à frente o bicho. Ele havia conseguido um lugar, uma família, mas “quem disse que eu iria me separar dele” declarou a senhora. Desde então, no lugar do filho ingrato e distante, Moisés passou a tomar conta da vida dela e da casa. Virou companhia inseparável e interlocutor atento “verdadeiro confidente. Vida da minha vida”.
O movimento da fila era lento, mas confesso que nem mesmo meu horário interessava tanto quando a prova de fidelidade da senhora ao seu animal. De tal forma fiquei empenhado no entendimento daquela relação que não dei conta da inversão de sentimentos. Por certo, Moisés gostava da senhora, mas, no caso, fidelidade mesmo era dela que não podia se separar dele. Alguma coisa deve ter brilhado em meus olhos, pois atendida a senhora, ela teve a fineza de me esperar para as devidas apresentações a Moisés.
Perdi meu ônibus, cheguei atrasado à reunião e nem notei que a senhora também perdeu a hora. A propósito, Moisés realmente é cativante, sempre que posso ligo para saber dele.