Entrevista concedida por José Nêumanne a Haisem Abaki da rádio Eldorado, sobre o comportamento inadequado do presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal e admite seu impeachment

Haisem AbakiO julgamento da ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer na reeleição de 2014 vai sofrer uma longa paralisação, porque o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, também ministro do Supremo Tribunal, viajará para Portugal para participar de um seminário em Lisboa. Você acha que este é um motivo justo para o julgamento ser adiado?

José Nêumanne – Sua Excelência pesporrenta que me perdoa, mas não é, não. Vamos analisar bem esse compromisso de Gilmar Mendes no exterior. Todo ano ele vai a Portugal participar de um encontro acadêmico, o Seminário Luso-Brasileiro de Direito, patrocinado por três entidades: a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a Fundação Getúlio Vargas e Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP). Sinceramente eu não tenho ideia da reputação acadêmica internacional da instituição lisboeta, mas não tenho nenhuma dúvida sobre a excelência da FGV. Quanto ao tal IDP, trata-se de uma entidade privada, que conta entre seus sócios com um ministro da Suprema Corte brasileira, exatamente o presidente do TSE. Daí, sua presença anual além-mar no mês de abril, outono aqui, primavera em Portugal. Este ano Gilmar Mendes está levando para o outro lado do Atlântico seu colega na corte Dias Toffoli, cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e alguns prefeitos, entre eles o tucano paulistano João Dória. Os patrocinadores do convescote são a Federação do Comércio do Estado do Rio (Fecomércio-RJ), a Itaipu Binacional e a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESB). Segundo a diligente reportagem dos repórteres Beatriz Bulla e Fábio Fabrini, de Brasília, publicada no Estadão de quarta-feira, 05, a Fecomércio tem interesses em cinco ações, que estão sendo julgadas no STF, uma das quais com relatoria de Gilmar, que pediu substituição declarando-se impedido depois de saber da publicação dessa informação, informado pelos autores da reportagem. O motivo do pedido foi mais do que óbvio: o advogado da Fecomércio-RJ é Sérgio Bermudes, em cuja banca trabalha dona Guiomar Mendes, mulher do ministro. Nessa ação, a instituição cliente de Bermudes não é parte, mas definida na linguagem do Direito com uma expressão latina, amicus curiae, que significa amigo da corte. Bermudes também foi advogado da Itaipu em outro processo já julgado no Supremo. Atualmente, a binacional é parte em pelo menos oito processos no Supremo. O fato de ter se dado como impedido de relatar o processo em que a Fecomércio é amicus curiae não significa, contudo, que Gilmar Mendes também venha a se abster de votar nesses processos tudos, seja da Federação, seja da Itaipu. Assim como a AESB, como a Fecomércio-RJ, também é amiga da corte em dois processos que tramitam na suprema corte. Sendo muito condescendente com Sua Excelência, a expressão amicus curiae não é muito apropriada para definir a necessária imparcialidade que deve ter um membro da cúpula do Poder Judiciário.

FHC

Ex-presidente FHC foi o criador do ministro Gilmar Mendes

HAMas na própria reportagem do Estado que você citou, o ministro já declarou que não vê conflito de interesse entre o patrocínio do evento e sua participação no Supremo. Por que não lhe dar fé?

JN – No caso, o ministro está sendo mais benemerente consigo próprio do que é muitas vezes com os próprios colegas que ele não aprecia muito no Supremo. É muito difícil, para dizer o mínimo, concordar com ele. Eu, particularmente, acho a posição dele indefensável. Tanto em ter um encontro pago por partes ou amigos da corte como, no caso particular deste ano, quanto, o que acho ainda mais grave, se acumpliciar ao Palácio do Planalto, cujo chefe, Michel Temer, que é réu no processo mais importante da história da Justiça Eleitoral e que está sendo postergado, Deus sabe até quando, por sua viagem ao exterior. Seria desprezar muito a inteligência, o conhecimento jurídico e a experiência de julgador de Sua Excelência imaginar que ele não tenha ainda percebido que já há evidências de sobra de que em 2014 a reeleição de Dilma Rousseff e de seu amigo Michel Temer, que era vice dela e assumiu a Presidência da República depois do impeachment, foi a maior fraude eleitoral da História cheia de fraudes das disputas de pleitos no Brasil. Se embarcar mesmo para Lisboa no próximo dia 18, às vésperas do feriado da Inconfidência Mineira, o ex-advogado-geral da União no governo de seu colega de viagem, Fernando Henrique Cardoso, estará demonstrando seu desprezo total pela inteligência de qualquer cidadão brasileiro com mais de cinco anos de idade, digamos.

Gilmar e Temer

Gilmar Mendes e Michel Temer são velhos amigos

HAE o que fazer para evitar esse embarque?JN – De fato, Haisem, nada há ser feito. Em resposta aos repórteres, ele já deixou claro por meio de sua assessoria que “a legislação não prevê impedimento ou suspeição nesses casos”. Ou seja, a lei permite, danem-se a moral e os bons costumes. Esse episódio me leva a concordar com os críticos mais ferozes de Mendes que defendem seu impeachment. Mais do que quaisquer suspeitas sobre as relações com partes ou amigos da corte em processos no Supremo, a evidente condição de vassalo em que ele pôs o TSE que preside para servir aos interesses do Palácio do Planalto, assim como seu colega Ricardo Lewandowski agiu no caso do fatiamento da Constituição para beneficiar a presidente deposta, é motivo de desconfiança insanável em relação ao cargo que ocupa. Como não há previsão constitucional para esse desplante, eu gostaria de pôr uma colherzinha aqui numa mudança relevante em relação aos ministros do STF. Muita gente que desconfia do Supremo, como é sabido que eu desconfio, propõe mudar o sistema de escolha. Eu não chego a esse ponto. Mas os brasileiros de bem – e entre eles há componentes do STF – cobram uma coisa deles. O ministro do Supremo ganha o salário-limite entre os servidores públicos brasileiros. Chega ao auge da carreira e não tem sentido ter negócios fora da atuação. Vivem se queixando do excesso de trabalho, mas dedicam parte do tempo a outras atividades. Já que os congressistas vivem às turras com eles bem que poderiam tratar de legislar impedindo que continuem exercendo tarefas particulares seja no exercício do honrosíssimo cargo, seja atuando como amicus curiae depois de aposentados. Tudo isso é inominável e não deveria ser aceito pela Nação vilipendiada.