O último embate entre ministros do STF contribuiu para revelar o caráter do ministro Gilmar Mendes, autor do “milagre” que salvou o prefeito Ortiz Júnior (PSDB) da guilhotina em 2016 e garantiu sua posse e direitos
Com a maior cara de pau, o prefeito Ortiz Júnior (PSDB) explicou na manhã de 27 de outubro de 2016, em uma coletiva à imprensa, o julgamento que o absolveu das “injustiças” pelas quais havia sido julgado e condenado. De acordo com o tucano, foi um milagre que o salvou e o colocou de volta no governo de Taubaté. “Eu não tenho dúvida nenhuma de que a grande realização dessa reparação da injustiça é a realização do milagre de Deus. Não tenho dúvida porque foi muita fé”, afirmou o prefeito.
.Prefeito Ortiz Jr (PSDB) mentiu quando disse fora salvo por um milagre e muita fé
Sessão do STF revela o ministro milagreiro
Na quinta, 26 de outubro, a sessão do Supremo Tribunal Federal, que julgava uma ação envolvendo municípios do Ceará transmitida ao vivo, possibilitou que o ministro Barroso esclarecesse como age seu par Gilmar Mendes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral, desde 2016.
Acusado por Mendes de ter libertado o ex-ministro José Dirceu condenado pelo Mensalão, ministro Luís Roberto Barroso esclareceu:
“José Dirceu permaneceu preso sob minha jurisdição, inclusive revoguei a prisão domiciliar porque achei impróprio, e concedi a ele indulto com base no decreto da presidente da República porque ninguém é melhor nem pior do que ninguém. E, portanto, apliquei a ele a lei que vale para todo mundo. Quem decidiu foi o Supremo. Aliás, não fui eu, porque o Supremo tem 11 ministros. E a maioria entendeu que não havia o crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto, e mesmo assim permaneceu preso, porque estava preso por determinação da 13ª Vara Criminal de Curitiba [a do juiz Sérgio Moro]. E agora só está solto porque a Segunda Turma (da qual Mendes faz parte) determinou que ele fosse solto. Portanto, não transfira para mim esta parceria que vossa excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco.” (grifo nosso)
Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso
Mendes reagiu com uma risada: “Imagine.” Mais adiante disse: “Quanto ao meu compromisso com o crime de colarinho branco, presidente, eu tenho compromisso com os direitos fundamentais”, disse. “Eu não sou advogado de bandidos internacionais.” Era o troco por Barroso, antes de assumir o STF, ter sido contratado para defender o italiano Cesare Batisti ameaçado de ser expulso para a Itália, onde está condenado à prisão perpétua.
Provocado, Barroso deu o golpe mortal: “Vossa Excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de Direito, é Estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário“. Bingo!
Pajelança
CONTATO registrou em suas páginas os momentos e os personagens que participaram do “milagre” que salvou o prefeito. Em ordem cronológica de entrada em cena, os ministros do TSE João Otávio Noronha, Gilmar Mendes e Napoleão Maia participaram diretamente da pajelança.
Ministro Luiz Otávio de Noronha deu liminar e engavetou processo
A condenação – cassação e inelegibilidade – de Ortiz Júnior em 1ª Instância pela Justiça Eleitoral de Taubaté em 2013 foi mantida por unanimidade pelo Tribunal Regional Eleitoral (6 X 0) no início de 2014. Por se tratar de uma decisão colegiada, ela poderia e deveria ser executada. Mas não foi.
O passo seguinte foi o recurso impetrado junto ao Tribunal Superior Eleitoral que definiu como relator João Otávio Noronha, conhecido até pelo asfalto de Brasília como simpatizante tucano. Noronha assumiu o TSE em 1º de outubro de 2013. No processo de Ortiz concedeu a liminar que o manteve no poder até 1º de outubro de 2015, quando saiu do TSE.
Ministro Napoleão Maia, absolveu Júnior sem conhecer o processo
Ortiz Júnior não poderia ter sua candidatura formalizada pela Justiça Eleitoral porque estava condenada por um colegiado de 2ª Instância. Mas prevaleceu o famoso jeitinho brasileiro “a lei, ora a lei”. O prefeito manteve sua campanha sem ser incomodado.
O milagre
Ortiz Júnior foi condenado pelo TSE em 1º de agosto de 2016. CONTATO registrou: “Os votos de ministros identificados com os tucanos não foram suficientes para impedir que o prefeito Ortiz Júnior (PSDB) e seu vice Edson Aparecido de Oliveira (PSD) fossem cassados em última instância e impedidos de se candidatarem; a execução da sentença é imediata, salvo se houver alguma pajelança jurídica fora da Justiça Eleitoral”.
A matéria começava descrevendo o evento: “Depois de uma hora de sessão marcada pelo embate jurídico por parte do ministro relator Herman Benjamin e argumentos vazios, porém reveladores, por parte da ala tucana do TSE, prevaleceu a argumentação técnica e contundente do relator. As três ministras – Maria Thereza de Assis, Luciana Lóssio e Rosa Weber – acompanharam o voto do relator”.
Ministro Benjamin Herman pregou no deserto
E concluía: “O prefeito José Bernardo Ortiz Monteiro Júnior e seu vice Edson Aparecido de Oliveira foram afastados e estão proibidos de concorrer nas eleições de outubro porque, em tese, a execução é imediata”.
Os lances imediatos provocariam inveja em autores de novela que não conseguem concluir seus roteiros. Entram em cena Gilmar Mendes, que assume a presidência do TSE, e Napoleão Maia, que substituiu a ministra Maria Thereza de Assis. O primeiro simplesmente decidiu e “rejulgou” Ortiz Júnior com o apoio de Maia que, recém empossado no TSE e desconhecendo o processo, votou com Mendes absolvendo o prefeito candidato.
O ministro relator Herman Benjamin esperneou e não mediu palavras ao afirmar que o “rejulgamento” era uma aberração jurídica.
Ministro Barroso, na quinta-feira 26, foi mais preciso para definir Gilmar Mendes: “Vossa Excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de Direito, é Estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário“. (grifo nosso)
Taubaté na vanguarda
A terra de Lobato conseguiu provar em apenas um ano que continua na vanguarda do submundo político nacional que domina o poder em todas as suas instâncias. Como já dizia um especialista em pesquisa: “Taubaté é uma amostra perfeita do universo político brasileiro”.
Infelizmente, até mesmo nos episódios recentes que garantiram a vitória do presidente Michel Temer no Congresso Nacional e impediu que fosse investigado pelos crimes comprovados e conhecidos de todo cidadão minimamente informado.
Em Taubaté, a única pessoa que poderia entrar com uma representação denunciando a “aberração jurídica” e solicitar que aquela triste sessão fosse anulada era a então candidata Pollyana Gama (PPS), derrotada nas urnas. Alertada por CONTATO que poderia haver uma outra eleição, a então vereadora respondeu que consultaria seu pessoal, que, segundo ela, já teria se manifestado contrário à essa iniciativa.
Prevaleceu o silêncio. Ortiz Júnior reassumiu a prefeitura e Pollyana assumiu uma vaga na Câmara Federal, conforme o governador do estado, em ato falho, já havia revelado na frente de nossa reportagem.
Alguma dúvida?