Ângela Ro Ro recém-lançou o CD Selvagem (Biscoito Fino), trabalho que traz onze composições inéditas, sete só dela e quatro em parceria com o músico Ricardo Mac Cord. Mac Cord também tocou teclado, criou programações e fez os arranjos – no que foi auxiliado por Ângela, que pelo bom entendimento entre ambos entregou-se por inteiro à música.
Uma ressalva, porém. Um ótimo CD como esse de Ângela Ro Ro não deveria apenas enumerar no encarte os instrumentos utilizados em cada faixa, sem nomear os músicos que os tocam. Seja lá de quem foi a decisão, esse “esquecimento” é uma falha tão tola quanto incompreensível.
De resto, “Selvagem” (Mac Cord e Ro Ro), faixa que dá título ao álbum e abre os trabalhos, é uma digna representante da melhor fase pop/rock de Ângela. Seus versos “Sou livre e não adianta/ Tentar me cortar a garganta/ Selvagem, me sobra coragem pra traçar minha própria viagem (…)” atraem. Cantando com a força necessária e a afinação em dia, sua voz aquece a pegada da música, cujo arranjo tem duas guitarras, baixo, bateria e congas.
Outro rock, “Caminho do Bem” (Ro Ro) tem piano elétrico, bateria e guitarras. Com levada poderosa, Ângela se mostra por inteiro. Sua interpretação é digna de aplauso.
Um tipo diferente de beleza e de energia, posto que do rock vai a uma canção, é “Nenhuma Nuvem” (Ro Ro). O arranjo tem apenas um piano elétrico, cordas e baixo. Ângela, como uma camaleoa, adapta-se com perfeição ao clima sofrido dos versos, impregnando-os com a afabilidade de sua voz: “(…) Me desespero por esperar alguém que nunca mais vai voltar/ Nenhuma lágrima molha meu rosto, nem mais um gosto no paladar”. Deus do céu, como é bonito!
Ângela Ro Ro
“Se eu já não consigo entender você, e sinto que só sirvo para aborrecer/ Melhor então seguir viagem com esse amor que já não presta (…)”. Esses versos tristes e ao mesmo tempo líricos de “O Que Me Resta” (Mac Cord e Ro Ro) vêm embalados por violões, gaita e órgão. Ângela os interpreta plena de sentimento.
O blues “Meu Retiro” (Mac Cord e Ro Ro), com piano e guitarras, tem Ângela, firme e forte, narrando os versos com sensualidade.
Comprovando que o disco é plural em questão de gêneros musicais, chega-se ao sambão “Maria da Penha” (Ro Ro). Com direito a cavaquinho, trombone e flauta, a percussão acende o ritmo. Com jeitão de samba-enredo, o couro come bonitão. Também bonitão é o intermezzo do trombone.
Logo após, agora já na música que fecha o CD, ouve-se o xaxado “Parte com o Capeta” (Ro Ro). As palmas marcam o ritmo, enquanto a sanfona resfolega e a percussão se vira com a zabumba.
Neste trabalho, Ângela mostra como é capaz de, a cada gênero que compõe e canta, transmutar-se e incorporar várias artistas mutantes num só corpo. Versáteis, suas interpretações permitem que ela dê sempre um salto à frente. E assim, com Selvagem, ela amplia o lugar que sempre foi seu na música brasileira – artista múltipla, ela tatua na música o ardor de sua viagem camaleônica.
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4