Cansei! Juro, estou cansado. E não é só pela corrupção, pelos envios de mensagens odiosas, pelas piadinhas tolas e esgotadas na chave do humor, nem pela já rotineira continuidade do “mais do mesmo”. Não. A par das infâmias que temos que engolir diariamente, das animosidades explícitas e das perplexidades derivadas do equivocado caminho proposto pela judicialização da nossa frágil (consolidada?) Democracia, o que assistimos é um show de exibição de egos perpetrados pelo conjunto narcisista do Supremo Tribunal de Federal (STF). Olhando o que temos, analisando a representação do time de magistrados na Corte, é difícil dizer se antes veio o ovo ou a galinha. Mais dificultoso ainda é a definição da ausência do galo nessa equação. Mas tudo fica ainda mais misterioso quando convocamos o equilíbrio dos poderes, os mesmos que Montesquieu em sua obra máxima, no tratado político intitulado O Espírito das Leis, de 1748, defendia um sistema de governo constitucional, onde haveria espaço para a separação dos poderes, a preservação das liberdades civis, manutenção da lei. Com isso definiam-se as regras das modernas Democracias, baseadas no equilíbrio e diálogo das partes constituídas. No papel tudo lindo, maravilhoso, digno.
Montesquieu, autor de O Espírito das Leis
A transposição disso para a prática brasileira, no entanto, tem sido um desastre. Àqueles que se acostumaram com a discrição do Judiciário resta o espanto e a certeza da antevéspera de um caos que se anuncia. A beira do abismo nos aterroriza. A suspeita contra alguns dos componentes do Supremo Tribunal é suficiente para nos colocar no bloco dos desesperados. Temos razões de sobra para não crer. E até para chorar de tristeza. Esse arco espetaculoso, no entanto, tem uma história mal contada. Mesmo ante a certeza de que não se chegará a um veredito, cabe o esforço em denunciar um processo perverso e venenoso, muito composto.
A famosa teoria da conspiração nos sugere algo que se articula na noite escura do encaminhamento para fechamentos políticos consequentes. Antes desbastou-se o Executivo. Depois o Legislativo. Agora é a vez do Judiciário. No primeiro caso, as denúncias contra um ex-presidente que se deixou corromper deram base para uma campanha que se vale de incautos, palha inflamável, para sugerir que todo e qualquer mandatário é um corrupto potencial. Depois o encaminhamento generalizador do compadrio legislativo possibilitou, em nome da governabilidade, estreitamento de um tecido contaminado por acordos escusos, trocas de favores e verticalização do poder pessoal em currais eleitorais. Tudo muito teatral e transmitido ao vivo e a cores por empresas interessadíssimas na defesa do que Jessé de Souza tem chamado de Elite do atraso. Incentivar uma população embraveada é fácil, inda mais quando se coloca em suas mãos instrumentos eletrônicos que tudo aceitam.
Jessé de Souza: a classe média é sadomasoquista ao apoiar elites
Na sequência mais ou menos histórica dos acontecimentos, no momento que atravessamos, temos o Judiciário cumprindo seu papel de preposto absoluto, quase exclusivo, da ordem política. Apoiado em supostos legítimos que consagram o Direito como base dos pactos sociais, juízes, promotores, desembargadores e demais entes togados são autenticados como filtros de processos capazes de promover epifanias redentoras do desastre governamental em que estamos metidos. E então, as tais entidades de divulgação ou de formação de opinião, se alçam no dever de revelar tudo, não de qualquer jeito, mas da forma que lhes convém. Jogando na lata do lixo mais contaminado que se possa imaginar, o princípio sagrado da máxima “o juiz apenas deve falar nos autos” o princípio é sempre transformado em show público, destinado a uma plateia vulnerável a jargões jurídicos. E tudo vira uma comédia da vida pública nacional. Nem é preciso grande esforço para lembrar que a discrição e privacidade dos juízes são sagrados. Pelo contrário, o que se vê é a projeção alardeada de egos incontidos. Como pops stars, hoje os tais membros do Judiciário dão entrevistas, são convidados para talk shows, são aplaudidos e/ou vaiados em andanças por aí. Suas opiniões, imaginem, chegam às casas de apostas e mesmo antes de suas manifestações em Plenário, tem os votos revelados e difundidos. Isso, para os cultores da Democracia, é um acinte, uma vergonha, uma afronta.
Frente ao frenesi que toma conta da cena nacional, pensar no Judiciário que temos, vale perguntar: mas qual o fim disto? Ou por que as coisas estão assim? E, mais: onde se quer chegar com essa parafernália? E não há como evitar respostas sugestivas de novos terrores. Se o Executivo não presta, se o Legislativo é corrompido e viciado, se o Judiciário está expondo tantas mazelas ridículas e, assim, se tornando vulnerável, qual o próximo passo? O que resta? É nesta linha que entra outro perigoso argumento: Ah! tudo se resolverá nas próximas eleições. Ou, se soubermos votar, teremos uma saída. É lógico que se saúda o processo eleitoral. Claro. Mas ele não significará muito. E como o prazo de reordenamento do país é um processo lento, longo, penoso, em tantos casos alguns evocam a suspensão dos Três Poderes que, afinal, estão como estão. Para mentes imediatistas e sem memória, para tantos que supõem a ordem pela imposição de regras disciplinares, alternativas autoritárias são mais do que plausíveis, queridas e necessárias. Nada mais antidemocrático. Pensemos…