Saudade, depressão, mal do século, melancolia são alguns dos sentimentos que levaram Mestre JC Sebe enfrentar de peito aberto as recordações dos “bons tempos”, cujo texto original foi publicado por CONTATO na edição 604 de 26 de junho a 02 de julho de 2015, agora republicado em homenagem a Paulo Francisco Moreira, que faleceu na terça-feira, 08 de maio
Dia desses, andava meio acabrunhado com saudade de mim mesmo e dos chamados “bons tempos”. Bateu uma certa melancolia e dei asas a esse sentimento tão fora de moda. Demorei para entender o que se passava e o diagnóstico veio manso e bom, como uma brisa confortável em dia quente. Confesso que minha primeira reação foi indagar se o que sentia era algum tipo de depressão. Perguntei-me, algo perplexo “será que estou com o mal do século”? Do século XIX, diga-se. Logo vi que não, mas mesmo assim fiquei melindrado, pois melancolia também é coisa de antigamente.
Desbravado o universo conceitual, passei para outro estágio analítico: o que teria motivado aquela viagem ao meu passado? E aos poucos a rememoração foi se fazendo narrativa. Havia dado um tempo em leituras pertinentes, mas exaustivas e fui para o facebook – acontece de vez em quando, viu. Entre as “novidades”, meu amigo Luís Fernando Vieira Negrini postava uma foto ao lado de sua filha Leda. Tratava-se do aniversário da moça. Fiquei encantado ao ver aquela menininha, hoje crescida, linda e com olhar feliz. Num impulso imediato, mais do que “curtir” escrevi: Parabéns, pergunte ao seu pai por que.
Estava dada a largada para minha interiorização. E deixei-me levar por uma saudade arrebatadora. Fernando foi meu grande amigo. O melhor, diria. Com ele ao lado, atravessei os anos difíceis da adolescência e mesmo quando virei aluno de colégio interno mantivemos viva correspondência. Ah! a prática das cartas enviadas pelo correio, com selos sobre os envelopes…
Mas nossa amizade não se resumia a nós dois. Havia um entorno fantástico e um terceiro nome compunha a solidez de um relacionamento que sempre foi forte, alegre, confidente, amigo mesmo, enfim. Paulo Francisco Moreira completava o trio. E como ríamos, a par dos sofrimentos característicos da idade. Nossa! E tudo era tão bonito e pleno que não faltaram amigos complementares.
Fernando Negrini e Paulo Francisco que com Mestre JC Sebe formavam a turma do “trio los tres”
Vivíamos unidos, e juntos fazíamos uma espécie de clube paralelo, exclusivo. Frequentávamos outros grupos, muitos aliás, mas nos bastávamos para discutir filmes, leituras e, sobretudo o destino futuro.
Li outro dia uma frase que me deixou pensativo: não se faz amigos verdadeiros
depois dos 30 anos. Sei lá se isto é verdade, mas no real de minha experiência aquele trio está entre as melhores coisas que me aconteceram.
Crescemos, casamos e tivemos filhos, profissionalizamo-nos e a vida cuidou de nos separar. Temos afinidades eletivas e sei da solidez daquela experiência e a presença desta certeza nos é referencial. Preside até um inexplicável respeito ao passado, algo que não nos permite reencontros frequentes. Seria factível planejar situação em que nos juntássemos, mas para quê? A distância, ironicamente, possibilita guardar o perfume de um tempo que foi único. E sem qualquer comunicação retraçamos um pacto de silêncio.
Depois que meditei sobre essa ligação de amizade antiga, pensei em escrever sobre isso. Virar crônica, porém, exigiu um enquadramento formal e demandava título. Logo, então, me veio à memória um livro que àquela altura da vida, no tempo real do passado longínquo, me marcou profundamente. Não se trata de nenhum clássico, mas de um texto terno e alentador “Éramos seis”, escrito por Maria José Dupré. Tratava-se de uma história comum, estranha até. O drama vivenciado nos anos de 1920, transcorria até a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O curioso é que a narrativa não amarra uma história de amor central, sobre a qual giraria o enredo. Nem é um texto de indagações ontológicas, ou sequer tem suspense. Trata-se de circunstâncias rotineiras, de uma família qualquer. O diferencial daquele escrito está no afeto que enlaça os personagens.
Paulo Francisco no aniversário de uma amiga recentemente
A ligação emocional dos filhos de dona Lola é comovente, do começo ao fim. Curiosamente, “Éramos seis” virou novela e foi exibida em 1994, constituindo-se em sucesso vertido para televisão por Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho.
Pois é, precisei deste mote para nomear a crônica presente. Dei parabéns a Leda exatamente por evocar na simpatia do romance de Maria José Dupré o resultado de uma experiência que de certa forma a integra.