Tudo bem, eu já conheço os dois primeiros trabalhos de Thiago Amud, Sacradança, o álbum de estreia, e De ponta a ponta tudo é praia-palma. Inclusive cheguei a comentá-los. Sobre o primeiro, escrevi: “Menestrel encapetado, cantador enfeitiçado, o cara traz à luz um jeito de fazer música que o torna capaz de resumir sentimentos em prosa e em versos, sem, contudo, torná-los opacos (…)”. Já no segundo, opinei: “(…) Surpreendente é a sua música. Para ouvi-la convém ter disponibilidade para inovações. Não há monotonia; tudo nela é feito para atiçar, para buscar o reverso, para mirar o futuro, para se achar em becos e em atalhos (…)”.
Agora estou eu aqui, após mais uma audição de O Cinema Que o Sol Não Apaga (selo Rocinante) – o novo CD de Thiago Amud –, sentindo-me como quando o escutei pela primeira vez: atônito.
Thiago Amud
Diante do som, eu e meus botões nos entreolhamos. Foi quando eu, alquebrado, surtei de vez: “Meu Deus!, até onde irão as experimentações do Thiago?” Já desabotoado, o botão mandou na lata: “Pois eu acho que ele é um veio de ouro: sem fim nem fundo. Quanto mais nele aprofundamos a bateia dos sentidos, mais virá à tona o seu opulento tesouro”.
Thiago Amud assinou os arranjos e a direção musical das dezesseis faixas do disco, que conta com catorze letras e músicas só suas e duas parcerias – uma com Guinga, outra com Edu Kneip. E ainda por cima cantou, tocou violão y otras cositas más.
Dedicado ao compositor e violonista mineiro Nelson Angelo, O Cinema Que o Sol Não Apaga é um trabalho meticuloso – todo ousadia, atrevimento –, cujas “estranhezas” são dons de um experto.
Fechando a tampa, “Nascença” é tributo a Minas Gerais e também uma louvação a Guimarães Rosa. Como um mantra, a congada tem seus versos repetidamente entoados por um grande coro. As percussões, somadas ao cello, ao baixo acústico e à viola caipira, têm simplicidade atordoante.
“Cantilena Alada” tem Clarice Assad dobrando e redobrando a própria voz. Voz que se multiplica e, embora saída de uma só garganta, soa como um extraordinário coral de muitos cantares. Sobre eles, Thiago canta os versos.
“Cinema Russo” começa com assovios. O violão surge do fundo do oco do silêncio. Uma sequência de acordes e pausas… acordes e pausas… A voz peculiar de Thiago vai aos versos cinematográficos com a sabedoria do menestrel que sabe do mundo. Samplers e sintetizadores trazem à tona sons aleatórios.
E por falar em versos cinematográficos, “A Mais Bela Cena”, música que abre o CD, tem versos criados a partir de cenas do filme Rio Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos. Sopros, coro e percussões ambientam o samba, numa enérgica exaltação ao povo brasileiro.
Álbum corajoso (desde a concepção instrumental até composições com extensas letras), que deve ser sentido como algo que não se etiqueta. Assim sendo, tudo indica que Thiago Amud será para sempre um criador apaixonado. E suas experimentações estéticas seguirão me incitando.
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4