Para meus filhos: Felipe, Davi e Pedro

          Ao longo de mais de uma década assinando crônicas em diferentes plataformas, aprendi duas lições: os leitores são uns, os eleitores são outros; nesta linha, a impossível neutralidade política tem que ser explicitada a fim de favorecer a objetividade de quem escreve e a recepção de quem lê. De forma suplementar, sempre, em todos pleitos passados, me posicionei claramente em textos que levavam o título, nada sutil, “declaração de voto”. Pois bem, este ano não tenho como fugir da raia. Aliás, nem pensei nisto. Confesso, porém, que me foi penoso, mais do que todas as vezes anteriores. A polarização está exposta e por mais esforços que os “centristas” se juntem não há espaços para drásticas mudanças. Resta, portanto, duvidar das surpresas de últimas horas.

Haddad Bolsonaro

Mestre Sebe finalmente revelou sua preferência

          O mais dramático é admitir que não votarei confiante. Acredito que os Deuses e/ou Orixás armaram uma cilada para nós brasileiros, pois há de haver alguma razão purgatória para tanto paradoxo e desgraça. Por certo, os inventores da tragédia grega e Shakespeare estão rindo de nossos radicalismos perfeitamente contrários. Desdobramento imediato, em termos práticos, tenho que aceitar sem resignação que, como a grande maioria, estarei votando contra um dos dois colocados. Dói, não pouco, admitir que o critério de escolha se dá pelo inventário de erros das partes. Gostaria que fosse pelos programas, pelos argumentos políticos e propostas, mas um candidato simplesmente não tem linhas próprias (nem emprestadas), e outro apresenta um elenco de possibilidades testadas com fracasso. Popularmente, cabe o apelo ao dito “entre a cruz e a caldeirinha”.

Tenho meditado sobre o Brasil como “país da piada feita”, e procurando o teor de sabedoria do dizer, concluo que o humor é elixir necessário na travessia consequente e arriscada pela qual vamos pagar por mais quatro anos. Chegamos a um ponto em que temos que nos salvar por nós mesmos, e no tumulto que vivemos, certamente, o ódio extremado em ataques virulentos não nos permite utopias. Que tristeza!… É lógico que há avesso nesse imbróglio, e um deles é a participação declarada da grande maioria que, de um jeito ou de outro, se manifesta. Isso é melhor que a alienação, claro. Mas não justifica a violência dos radicalismos e, assim, uma das práticas vulgarizadas diz respeito aos tipos de referências aos candidatos campeões: apelidos, alcunhas, hipocorísticos são usados sem piedade. “Coiso” ou “boneco”, “capEtão” ou “faz de conta” são epítetos que servem para diminuir os candidatos e nos faz menores ainda. É verdade que em diferentes meios ambas figuras são pouco conhecidas como Fernando Haddad que se foi inicialmente tido como “Andrade” e Bolsonaro chamado de “Borsomário”.

Bolsonaro fardado e recortado

Jair Bolsonaro ainda jovem oficial do Exército

          Dentre tantas referências pejorativas, duas me chamam atenção “poste” e “posto” (referência ao comercial do Posto Ipiranga, onde o dono não sabe o que lhe perguntam e indica um preposto). Valho-me exatamente dessas duas referências para explicitar meu voto. O “poste” remete a Fernando Haddad que seria – como dizem, “o que a Dilma foi” – um objeto colocado para amparar a política e as propostas do ex-presidente Lula. Bolsonaro equivaleria ao dono do “posto” despreparado para agir por si próprio, segundo seu dizer publicamente. O primeiro enquadrado na simplificação de esquerdista e o segundo reduzido a fascista, se tornam presas de uma equação esquisita. Pois bem, se resta escolher, meu voto vai para o “poste”.

Sinto-me eufemisticamente confortado pelo fato de o “poste” permitir luz. E me explico também pelo pífio desempenho de um deputado que em 27 anos de governo teve dois projetos aprovados, sem nunca pertencer a uma comissão relevante. Pelo avesso, mais do que apregoar ódio consequente, Bolsonaro defende o uso de armas, a militarização das escolas, a diminuição de direitos das mulheres, a segregação dos homossexuais, e ainda agride sem pudor os negros, em particular os quilombolas. É lógico que, como professor de história, não devo deixar de lado a vexatória passagem que nega a presença dos portugueses na África colonial, e reforça dizendo que africanos se entregavam à escravidão. Isso sem falar na consideração das reservas indígenas como possível corredor para invasores estrangeiros. É claro que cabe destaque a afirmativa do candidato a vice, general Mourão, ao dizer que lares liderados por mães e avós são “fábrica de desajustados”. Num concurso de horrores acumulados os grãos de farinha do mesmo saco ressaltam a apologia à tortura e a escolha de Brilhante Ustra como ideólogo exemplar. Como se fosse possível piorar o caso, consideremos as declarações da possibilidade de “autogolpe” e mesmo a promulgação outorgada de uma nova constituição sem participação de uma assembleia. Nossa!!!

Hahhad e Lula

Haddad terá autonomia para governar?

          É lógico que os predicados do dono do “posto” exigem a pergunta: mas e o outro lado? Alimento o sonho do renascimento. Sempre fui petista e mesmo profundamente decepcionado com o partido, magoado até meu chão pessoal, acredito que o esterco que nos sufoca pode virar adubo. Penso, para consolo meu, que o “poste” pode iluminar novamente a estrada escurecida e, sobretudo, colocar o dono do “posto” em seu lugar.

PS: dedico esta crônica aos meus filhos em nome de tantos que não me entendem

NR: Confira Bolsonaro no link https://www.youtube.com/watch?v=-fMdCwlwg8E