Um grande arranjo foi concertado nos últimos 30 dias entre o STF, os militares (Exército) e as forças políticas que gravitam em torno da candidatura do capitão reformado Jair Bolsonaro, o que teria “impedido a quebra de respeito e ordem”, caso fossem bem-sucedidas as manobras que visavam libertar o ex-presidente Lula
Há dez dias, comentei a meteórica carreira do ministro Dias Toffoli, presidente da Suprema Corte (STF) que após um pronunciamento público em que criou uma nova interpretação para o golpe civil-militar de 1964, afirmou que não se tratava de golpe ou revolução. Teria ocorrido o que chamou de movimento. E de quebra citou como referência o historiador e pesquisador Daniel Aarão Reis que, imediatamente, respondeu ao ministro: “um grave equívoco”.
No domingo 7, o Estadão trouxe uma reportagem que lança luz suficiente para esclarecer as razões do estranho comportamento de Toffoli.
Versão militar
Os generais que formam o Alto Comando afirmam que não é possível “ideologizar” as Forças Armadas. Como exemplo, citam a defesa do PT de mudanças nas promoções e nos currículos militares. “Não há risco de Bolsonaro interferir nas promoções”, disse o general da reserva Roberto Peternelli Júnior, eleito deputado federal com 74190 votos pelo PSL, partido do Bolsonaro. Mas os militares se esquecem que, na prática, estão ideologizando as Forças Armadas quando assumem a candidatura de um militar e seu partido. Uma postura que poderia provocar a ruptura da ordem institucional. Os oficiais negam. Mas tem sido evidente o emprego de imagens e discursos que comprometem as Forças Armadas na campanha do capitão reformado. É o caso da campanha do tenente-coronel Zucco a deputado estadual pelo PSL feita ostensivamente em veículos do Exército . O link https://web.whatsapp.com/stream/video?key=false_5511991890816@c.us_55A579D7E361991E1AC2AEC5347DA930 com imagens foi retirado mas eu disponho de cópia.
Um vídeo retirado do Youtube mostra sua propaganda em veículos militares
O STF tem vivido um clima nada amigável por parte de outras instituições. Por isso mesmo, antes de assumir a presidência do Supremo, Toffoli tomou a iniciativa de encontrar o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Pediu que lhe indicasse um nome para sua assessoria. Villas Bôas assentiu, e Toffoli levou para o tribunal o general Fernando Azevedo e Silva, ex-chefe do Estado-Maior.
Perguntado, um comandante respondeu: “No Alto-Comando, não temos ideia de quebra do estado democrático de direito. Por que o ministro Toffoli solicitou ao Villas Bôas que indicasse um general de Exército? Tem aí várias respostas a essa pergunta”.
Os militares temem que ocorra algum tipo de radicalização após a eleição, embora afirmem que trabalham com o cenário de pacificação do País. Naquele momento acreditavam que poderiam ocorrer possíveis reações no caso de uma vitória do capitão reformado. “Até o Bolsonaro, que fez aquela declaração infeliz (dizendo que não reconheceria o resultado da eleição se perdesse), voltou atrás. Não há nada a fazer se ele perder. Eu conheço essa peça (Bolsonaro) desde a escola preparatória”, afirmou um general.
O apoio ao candidato do PSL se consolidou nas Forças Armadas – generais que tinham dúvidas sobre ele agora o apoiam. As resistências eram antigas, desde a época em que o capitão foi acusado de planejar atentados. Eleito deputado, chegou a ser proibido de entrar em quartéis. Mas venceu as resistências.
General Alberto Cardoso, ex-ministro de FHC
General Alberto Cardoso, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo Fernando Henrique Cardoso, diz que: “O sucesso dele surgiu pela formação, pelo que encarna, uma esperança que surge com a desesperança com o político tradicional”.
Hoje, quatro integrantes do Alto-Comando são colegas de turma do capitão na Academia das Agulhas Negras. Oito dos 15 integrantes passaram pelo Comando de Operações Especiais. Formam uma confraria. “Aqui o que mais se ouve é Aço e Selva”, contou outro general, referindo-se às saudações à tropa de origem operacional da maioria do Alto-Comando. “Não há a menor chance de ruptura. Quem espalha isso quer desagregar. Bolsonaro não é radical. Ele é um democrata”, disse o general da reserva Augusto Heleno Ribeiro.
As bases do acordo
Foi nesse clima que o recém empossado presidente do STF, ministro Dias Toffoli, desponta como a garantia do Alto-Comando do Exército contra ameaças de ruptura. Não se trata de um tema fácil para os oficiais – a maioria dos ouvidos não quis se identificar. O papel de Toffoli no segundo turno, no qual se enfrentarão Bolsonaro e Haddad (PT), é considerado fundamental para o equilíbrio do pleito.
Ciente da sinuca de bico em que se encontra, Toffoli deu aos militares três “sinais importantes”. Um integrante do Alto-Comando os enumerou: a decisão de não pôr em votação a prisão em segunda instância, o veto à entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado pela Lava Jato, e o pronunciamento na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.
Indicado por Lula, Toffoli foi a garantia de que o acordo seria cumprido
Toffoli cumpriu rigorosamente os pontos de sua proposta: não pôs em votação a de prisão em segunda instância, desconsiderou o pedido de entrevista de Lula à Folha de São Paulo e na segunda-feira (1) declarou na Faculdade de Direto da USP que não chamava a derrubada do governo João Goulart, em 1964, nem de golpe nem de revolução, mas de movimento. E concluiu afirmando que, há 54 anos, tanto a esquerda quanto a direita contribuíram para a radicalização e a quebra da ordem institucional.
Na quinta-feira (4), por ocasião da homenagem prestada pelo STF por ocasião da comemoração pelos 30 anos da Constituição de 1988. Toffoli declarou: “É função primária de uma constituição cidadã fazer ecoar os gritos do nunca mais: nunca mais a escravatura, nunca mais a ditadura, nunca mais o fascismo, nunca mais o nazismo, nunca mais o comunismo, nunca mais o racismo, nunca mais a discriminação”.
Foi o espaço que lhe sobrou no acordo com os militares.