Reza a sabedoria africana que, para bem cozinhar uma rã, deve-se colocar o petisco no fogo com a água ainda fria. Caso seja a água fervida primeiro, com certeza, a rã saltará para fora da panela devido o choque térmico imediato. Nunca experimentei, mas o conselho me pareceu apropriado frente a um enigma que se montou em minha percepção sobre a política atual e os desastrosos encaminhamentos que têm sido dados aos problemas de governança.
Quando o recorte da questão atinge o campo da moral e dos bons costumes e, principalmente da política externa, o termo “consequência” se mostra elevado ao quadrado. Padeço perplexidades, quando vejo as oscilações, a incessante comédia de erros de um presidente que não articula frases longas e que, na melhor das hipóteses, exercita o “voltar atrás” ou “não foi bem o que quis dizer”. Boquiaberto, me vejo perguntando: até quando pessoas de bom senso suportarão tanto descalabro? Será mesmo, como pontificou Veríssimo, que o ódio ao PT – responsável imediato pela eleição do novo time – ainda continua e se mantém maior do que o amor à democracia e à razão política? E mais: a comédia de erros não para, e, pelo reverso, caminha veloz e já ganhou a condição de piada e até virou quadro cômico em programas humorísticos, isto no Brasil e no mundo.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, algo acalmava minha inquietude, supondo reações que viriam ainda que lentas, mas progressivas. A declinação dos chefes escolhidos que resultaram na composição, digamos eclética, do ministério serviria de arauto dos dias que que se tumultuam. E tudo é intrincado, pois mesmo não concordando com Sergio Moro, percebendo-o como deslocado, respeito sua coerência – sinceramente, sinto pena dele ao notar admitindo, por dever de mando, o uso de armas. Digo o mesmo de Paulo Guedes que, afinal, é dono de uma metodologia admirável, ainda que não olhe pelos pobres e nos ameace com medidas exageradamente liberalizantes. Mas o resto! Nem preciso aborrecer os leitores com a ladainha de bobagens da ministra Damares. Na mesma linha, dispenso o contraste com o PT guardião de erros já sobejamente expostos.
Qualquer reflexão mais consequente leva perguntar se há algum denominador, algo que explique as disfunções que assistimos pateticamente. Existira ideia ou uma “política”, além da colagem maluca que mais parece piada de mal gosto? Há algum substrato filosófico escondido no que está acontecendo? E vejam que estamos ainda no limiar de quatro anos que prometem desdobramentos temerosos. Mexer com a articulação que definiu o pacto climático global e com a “nossa” Amazônia não é coisa pouca.
O enredo dos deslizes, malditos e equívocos pode parecer coisa da imprensa ou dos opositores inconformados, mas num mergulho mais profundo aceitemos o convite a pensar que sim, que há algo mais e que vai além dos desencontros de falas isoladas, cores de roupas e metáforas de liquidificadores. E não deixemos por barato, pois as consequências são ameaçadoras. Também não sou dos que sustentam que há uma onda mundial assolando a democracia, e a fatalidade do liberalismo é a lei do futuro. Simplesmente, não. Este pressuposto, aliás, é o primeiro passo para o reconhecimento de que o maior sintoma da insanidade política decorre exatamente do que se convencionou chamar de “antiglobalismo”. Como se fosse um avesso do patriotismo, uma política internacional que “proteja os genuínos valores nacionais”, é alardeada desde pressupostos que multiplicam slogans ridículos como “nossa bandeira é verde-amarela e jamais será vermelha”.
Bobagens a parte, partamos para reflexões sobre as (des)vantagens das relações bilaterais. Acontece que alguém esqueceu de avisar ao presidente que não somos os Estados Unidos e que a China é nosso cliente preferencial. Ainda bem que, como em tantos outros itens, o mandatário chefe voltou atrás no caso do Mercosul. Imagine criar problemas com a Argentina, nosso terceiro consumidor. Mas os tropeços internacionais ainda estão a nos aturdir, e, um dos casos mais consequentes seria a mudança de nossa embaixada da capital Telavive para Jerusalém. Não cabe esquecer que o mundo árabe é nosso mais forte consumidor de carne. Imaginemos cutucá-los sem outro propósito que o “macaqueamento” yanqui ou a fidelidade bíblica que elege Jerusalém como sede do “povo de Deus”.
É verdade que toda esta política que se insinua tem como base o interesse comercial, mas, o respeito a valores culturais da humanidade também atua como moeda de troca. No mundo de hoje, os valores éticos e universais estão postos como pauta coletiva, e não se admite atrasos culturais no diálogo da comunidade mundial. O uso da palavra “conservador” foi propositalmente evitado, pois o que se vê é mesmo “atraso. Atraso que precisa da liberação da posse de armas, da confusão entre sexo e gênero,” do controle das ideias nas escolas, da fantasia do combate à corrupção e da farda para garantir prestígio que não se tem no mero fortalecimento das instituições montadas a duras penas. O desmantelamento de todas as instituições públicas é a grande prova do pecado político. E também atesta um programa que não vai dar certo.