Tão cedo não vou conseguir apagar de minha memória visual as imagens da tragédia de Brumadinho — aquelas ondas de lama de rejeitos de minério avançando como um monstro sobre o que encontravam, soterrando pessoas, árvores, casas, sítios, veículos, pontes. O que de mais parecido eram os tsunamis do Japão e da Indonésia, produzidos por terremotos. Só que, acreditavase, isso não aconteceria no Brasil. A salvo desses surtos da natureza, temos apenas alguns tremores quase inofensivos. As ocorrências lá de fora são devidas a causas naturais, enquanto as nossas são oriundas de negligência humana ou de interesses econômicos amparados pela “bancada das mineradoras”.
Alguns dias bastaram para se constatar que, além de Mariana e Brumadinho, existem centenas de barragens no país, e não se sabe quantas a ponto de romper, já que entre nós o costume é alertar para os riscos depois que eles acontecem.
A tragédia de Brumadinho teve dois atos: o primeiro, deprimente, em que só se viu destruição e morte. O segundo, edificante, em que se reuniram o que o gênero humano tem de melhor: a solidariedade, a doação, o desprendimento, o sacrifício, a entrega.
Os bombeiros não mediram esforços na busca de vítimas do “acidente”
Os protagonistas, os heróis dessas cenas foram os bombeiros com sua busca incansável, estoica, desesperada, por corpos vivos entre os mortos. Muitas vezes cobertos de lama até a cintura, se arrastando, rastejando ou de joelhos, eles comoveram o país com sua abnegação e entrega.
Dorrit Harazim lembrou que o repórter Juan Arias, do diário espanhol “El País”, propôs o Corpo de Bombeiros atuando em Minas como candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Arias vê o lodo tóxico como metáfora do país envolto em corrupção, violência e desamparo social. E argumentou que o país aprendeu com eles “a torcer por uma mesma coisa”.
De fato, é uma excelente ideia neste momento de exaltação bélica e de apelo às armas, estimulados pelo governo e pela “bancada da bala”. Num país dividido pelo ódio e pela violência, não podia haver maior exemplo do que essa corporação que age motivada exclusivamente por impulsos pacíficos, voltadas para o salvamento e o socorro.