Segundo o porta-voz do governo, Bolsonaro ‘não considera’ que houve golpe em 1964. É constrangedor que ele precise explicar a divergência do chefe com os livros de História
O presidente Jair Bolsonaro não se contenta em fabricar crises no presente. Ele também quer brigar com o passado, como indica a ordem para que os militares comemorem os 55 anos do golpe de 1964.
O porta-voz do Planalto, Otávio do Rêgo Barros, tentou justificar a iniciativa. “O presidente não considera o 31 de março de 1964 um golpe militar”, disse. É constrangedor que o general precise explicar uma divergência do chefe com os livros de História.
Gal. Rêgo Barros é o porta-voz do capitão
A data festejada por Bolsonaro marca o aniversário de um típico golpe de Estado. Com tanques nas ruas, os militares derrubaram um presidente legítimo e mergulharam o país num regime de exceção.
A ditadura fechou o Congresso, censurou a imprensa e perseguiu opositores. Deixou um saldo de 434 mortos e desaparecidos, além de milhares de torturados e exilados. São fatos do passado, que devem ser lembrados para que não se repitam.
Em países que enfrentaram seus fantasmas, exaltar ditaduras é crime e pode dar cadeia. Por aqui, escolheu-se contemporizar com personagens que cultuam o autoritarismo. Um deles acaba de assumir a Presidência pela via democrática que insiste em desprezar.
Ao celebrar o golpe, Bolsonaro mantém o figurino radical que marcou sua atuação parlamentar. O problema é que agora ele representa o país, não uma franja do eleitorado fluminense. Além de desrespeitar as vítimas da ditadura, suas declarações comprometem a imagem do Brasil no exterior.
Piñera ficou na saia justa com o elogio de Bolsonaro ao ditador Pinochet
Foi o que ocorreu na semana passada, quando ele foi a Santiago em viagem oficial. Houve fortes protestos, e os presidentes da Câmara e do Senado do Chile se recusaram a encontrá-lo. Reclamaram de seus elogios públicos ao general Augusto Pinochet, chefe de uma ditadura que matou mais de três mil pessoas.
No domingo, o presidente Sebastián Piñera afirmou que as declarações de Bolsonaro sobre o tema são “tremendamente infelizes”. O chileno ensina que um governante de direita não precisa defender regimes que sufocaram as liberdades em nome de ideais conservadores.