A Constituição impede juízes e promotores de exercerem ‘atividade político-partidária’. A proibição tem uma finalidade clara, mas virou letra morta na era das redes sociais
A doutora Carmen Eliza Bastos de Carvalho já assinou um manifesto em defesa do movimento Escola sem Partido. Agora ela virou símbolo do Promotoria com Partido.
Na quarta-feira, Carmen participou da entrevista sobre a confusa investigação do assassinato de Marielle Franco. Ela desqualificou o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, que relatou uma ligação do principal suspeito para a casa de Jair Bolsonaro.
Na manhã seguinte, o jornalista Leandro Demori revelou a militância virtual da promotora. Durante a corrida ao Planalto, ela usou as redes sociais para fazer campanha aberta pelo dono da casa 58. Numa das postagens, Carmen posou de camiseta com a foto do capitão e a inscrição “Bolsonaro presidente”. Em outra, festejou sua vitória com mensagens como “Libertos do cativeiro esquerdopata” e “#vaificarpresobabaca”.
Em janeiro, ela voltou ao Instagram para celebrar a posse do presidente. Apontou o celular para a TV e publicou o clique com uma legenda festiva. “Há anos que não me sinto tão emocionada. Essa posse entra naquela lista de conquistas”, desmanchou-se.
Além de pedir votos para seu candidato, a promotora postou foto ao lado do deputado Rodrigo Amorim, do PSL. O bolsonarista despontou do anonimato ao quebrar uma placa em homenagem à vereadora morta.
A promotora com o deputado Rodrigo Amorim (PSL), que quebrou a placa de rua com o nome de Marielle
A revelação deveria ter levado Carmen a se afastar imediatamente do caso Marielle. No entanto, ela bateu o pé e se recusou a deixar a investigação. Em reunião com a cúpula do Ministério Público do Rio, alegou que só havia exercido seu direito à liberdade de expressão na internet. Ficaria nisso, não fosse a pressão dos colegas que conhecem os limites do cargo.
Afastada na sexta-feira, a promotora se disse vítima de uma “ofensiva de inspiração subalterna e flagrantemente ideológica”. O discurso só deve convencer quem acreditou no arrependimento de Eduardo Bolsonaro após defender a reedição do AI-5.
A Constituição impede que juízes e promotores exerçam “atividade político-partidária”. A proibição tem uma finalidade óbvia: preservar a imagem das instituições e a confiança no sistema de Justiça.
Na era das redes sociais, a regra tem virado letra morta. Os conselhos nacionais da Justiça e do MP já editaram manuais de conduta, mas não conseguiram frear a militância virtual. Talvez seja a hora de trocar as recomendações por punições.
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O assassinato de Marielle completa 600 dias amanhã sem que se saiba quem mandou matá-la.
A investigação já passou por diversas tentativas de fraude. No ano passado, a Polícia Federal entrou no caso para combater o que o então ministro Raul Jungmann chamou de “coalizão satânica” contra a elucidação do crime.
Ontem o presidente Bolsonaro confessou ter se apropriado de gravações feitas em sua portaria horas antes da execução da vereadora. Se isso não for obstrução de justiça, o que será?