Não sei dizer quantas vezes estive na Capela Sistina, em Roma. Não sei dizer também quantas mais quero voltar. Sou daqueles apaixonados pela Cidade Eterna. A exuberância histórica dimensionada em monumentos, fontes, praças, edifícios antigos, exerce um fascínio que me faz sentir respeitoso em vista do passado. É fácil se sentir grandioso em Roma e admirar o engenho humano como continuidade digna da História. Sempre que posso me deixo perder nas ruas romanas, e me largo em caminhos sem rumo, indo ao léu no aguardo de surpresas sempre renovadas. Gosto de seguir o instinto e assim entendo melhor o significado comandado pelo hemisfério direito do cérebro que, segundo Daniel Pink no livro “A Whole New Mind”, contrapõe a razão linear, planejada, reta, às virtudes da arte, empatia, inventividade. Não há, aliás, como deixar o valor dessas andanças quase espontâneas por algumas cidades como Praga, Barcelona, São Petersburgo, Veneza, e principalmente Roma. É lógico que temos cidades brasileiras que também encantam como nosso Rio de Janeiro, Recife, Salvador entre outras.
Dentre tantas maravilhas na capital da Itália, o fato de abrigar um outro país inteiro, o Vaticano, torna-a ainda mais peculiar. E no ambiente papal, temos alguns dos tesouros mais valiosos do prodígio humano, o Museu do Vaticano. Concordo com a maioria dos guias que saúdam a Capela Sistina dos pontos mais espetaculosos do roteiro de qualquer agenda turística. Tudo naquele trajeto deslumbra, a começar pelos corredores e salas anteriores, contendo o melhor da arte da Alta Renascença Italiana. Chegar à Capela Sistina é sinônimo de epifania. E respira-se, então, o melhor da História…
A mando do Papa Sisto IV, (daí o nome Sistina), entre 1477 e 1480 foi edificado complexo da Capela onde, de 1508 até 1512, Michelangelo comandou a produção daquele que é dos mais importantes afrescos da arte cristã. Tudo chama atenção no majestoso painel que contém nove cenas do Gênesis, dentre as quais A Criação de Adão que, aliás, é a mais famosa. Um destaque do afresco é mais conhecido que os demais: o encontro das mãos de Deus e Adão, do Criador e da Criatura. Tudo é espetacular, tudo. Tudo, inclusive a imagem do Pai flanando em nuvens e com os cabelos longos soltos ao vento. Pois é, o Deus Pai é cabeludo! Creio que a maldição dos carecas tem a ver com essa representação testada em inúmeras outras obras de arte. O modelo de homem, inclusive na velhice, de cabeleira farta desafia a aceitação estética dos calvos, pois se afinal o Pai de todos é cabeludo… Imagino que seria quase herético supor o Deus Maior, todo poderoso, sem suas fartas madeixas. Nem pensar…
Papa Sisto IV, que deu origem à capela Sistina
Pois bem, foi com este introito que voltei à leitura da Bíblia e me deparei com o teorema “Deus X carecas”. E achei algo intrigante na passagem que aborda o incidente entre o profeta Eliseu e 42 jovens que foram mortos por duas ursas raivosas (Reis 2. 23-25). Tudo é intrigante no caso, sobretudo porque o Pai castigou sem piedade os moços (cabeludos) que bradaram contra o singular profeta desprovidos de cabelos. Diz a passagem que os incrédulos zombavam do assombro contido na revelação do profeta Elias que teria sido alçado aos céus num vertiginoso redemoinho. Por sopro divino, Deus teria promovido Elias a outro plano para provar a imortalidade da alma. E os incrédulos, os tais moços soberbos e preconceituosos, sabendo que Eliseu era sucessor do abduzido Elias, em procissão, incitavam o careca seguidor a fazer o mesmo, a subir ao céu. Aos gritos a turba gritava “Sobe, calvo, sobe, calvo!”, desafiando Eliseu também a fazer o mesmo que seu modelo. O relato bíblico torna-se intrigante ao ponto de revelar ameaças vitais do enfurecido grupo, e, assim, o Senhor interveio e fez sair da mata duas ursas famintas que, num rompante violento, matou os 42 jovens.
Profeta Eliseu, morto por duas ursas raivosas
Confesso que, sendo careca, achei Deus Pai ainda mais simpático. E fiquei perplexo com a antiguidade das pechas contra nós homens pobres de cabelos na cabeça. Por ironia, na longa lista de santos protetores de profissões, ofícios, carências, doentes ou afetados por problemas diversos, não achei um que se remetesse a nós. Encontrei sim um dado curioso, o “dia do careca”. Sabe, tudo se agravou pois o calendário definiu que é exatamente no dia anterior ao meu aniversário, 14 de março…
O que isto significa? Nada. Apenas me permite evocar castigos divinos se os detratores de meus poucos cabelos me chamarem de “careca”. Juro que se isto ocorrer vou evocar o Criador e ficar aguardando os dois ursos saírem em minha defesa.