Num governo normal, em tempos normais, um imitador de nazistas jamais alcançaria o topo do poder. Alvim chegou lá porque estamos no Brasil de Bolsonaro
‘Antes de mais nada, é preciso lembrar o que o governo Bolsonaro não é: um governo normal em tempos normais”. Assim começa o artigo “O método do governo Bolsonaro”, do cientista político Christian Lynch. O texto teve repercussão modesta quando foi publicado, em agosto passado. Cinco meses depois, transformou o autor em alvo da caça às bruxas federal.
Na quarta-feira, Lynch foi anunciado para um cargo técnico na Casa de Rui Barbosa. Horas depois, teve a indicação vetada pelo secretário de Cultura do governo. Roberto Alvim acusou o pesquisador de pregar “ideias execráveis” sobre o presidente. A nomeação subiu no telhado antes de sair no “Diário Oficial”.
Christian Lynch: “governo Bolsonaro não é: um governo normal em tempos normais”
No dia seguinte, Alvim foi elogiado publicamente pelo chefe. “Depois de décadas, agora temos um secretário de Cultura de verdade”, celebrou o capitão. O dramaturgo cairia horas depois, por copiar um discurso de Joseph Goebbels. A indignação de meia República não bastou para derrubá-lo. Bolsonaro só entregou sua cabeça após uma ligação do embaixador de Israel.
Antes de tropeçar no próprio fanatismo, Alvim cumpriu todas as tarefas que recebeu. Censurou editais, perseguiu servidores, atacou artistas e entregou instituições de Estado a militantes de extrema direita. Seu último ato foi lançar um prêmio de R$ 20 milhões para financiar o que ele mesmo definiu como um “bombardeio de arte conservadora”. O plagiador caiu, mas a guerra cultural continua — e o destino do dinheiro público permanece incerto.
Num governo normal, em tempos normais, um imitador de nazistas jamais alcançaria o topo do poder. Alvim chegou lá porque estamos no Brasil de Bolsonaro. É um país em que o ministro da Educação insulta professores, o ministro do Meio Ambiente ataca ambientalistas e um assessor da Presidência repete gritos de guerra do fascismo espanhol.
Alvim copiou trechos do discurso de Goebbels, ideólogo da propaganda nazista, em 1933
Há quem ainda tente contemporizar com o inaceitável a pretexto de defender as reformas. Na sexta, vozes do mercado repetiram que a ofensiva autoritária “não abala” a agenda econômica. Nelson Rodrigues já ensinou que o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro. Ocorre que não existem dois governos, um extremista e um moderado. O projeto é um só, e aposta na radicalização para se perpetuar no poder.
No texto que irritou Alvim, o professor Lynch descreve as armas do bolsonarismo para encurralar as instituições democráticas. “Fazem parte do seu arsenal de guerra política a intimidação, o espírito de vingança, a perseguição e o exercício da violência psicológica”, escreveu. A ordem é mobilizar a militância e acuar o Congresso e o Supremo. Ao mesmo tempo, o governo captura órgãos de controle e investe contra entidades da sociedade civil.
O autor deixa claro que o projeto em curso não se contenta com vitórias eleitorais. Seu objetivo é “pôr abaixo o mundo que a Constituição de 1988 criou”, a pretexto de restaurar valores “da autoridade, da hierarquia e da religião”. O artigo também explica a ascensão de figuras como Alvim: “A adesão ao extremismo ideológico é escada para os candidatos que desejarem assumir cargos na administração”.