O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar ontem medidas de isolamento para deter a disseminação da Covid-19, em encontro por teleconferência com empresários.
Mas, para sustentar a tese de que “o lockdown é um fracasso”, recorreu a um exemplo que é justamente um argumento para rejeitá-la: a Suécia, que não decretou quarentena contra o coronavírus.
O governo sueco confiou apenas na responsabilidade dos cidadãos para enfrentar a pandemia sem interromper as atividades econômicas, a partir do fim de janeiro. Assim, evitou determinar o fechamento de empreendimentos comerciais, escolas, ou autorizar a polícia a dissolver aglomerações.
O resultado: em maio, o país passou a liderar o ranking de mortes por coronavírus na Escandinávia, com mais de 3 mil óbitos. Ou 300 mortes por milhão de habitantes, enquanto as proporções são de 40 por milhão na Noruega, 46 por milhão na Finlândia e 89 por milhão na Dinamarca. O resultado econômico com a recusa da quarentena é o oposto do benefício esperado: a última estimativa do Banco Central sueco é de retração de 9,7% da economia neste ano.
O argumento sueco não foi o único momento em que o presidente se apoiou em uma interpretação que vai de encontro aos fatos. Bolsonaro reclamou que os governadores que preferiram adotar medidas rígidas de isolamento desobedecem orientações do governo federal. Mas essa obediência não é devida pelos estados. O Supremo Tribunal Federal (STF) já garantiu a autonomia de unidades da federação na adoção de estratégias para conter a pandemia.
O grupo que ouviu o presidente é formado por pessoas que precisam ter as melhores informações disponíveis para tomar decisões de investimentos e sempre defendem a necessidade de regras jurídicas claras para melhorar a previsibilidade de seus empreendimentos. Nesse sentido, o efeito do discurso de Bolsonaro para arregimentar apoio entre a classe empresarial pode ter sido similar ao da ausência de quarentena na Suécia: o contrário do que esperado.