O afastamento do Exército em 1988 foi manchete no “Noticiário do Exército” (nº 7449) por “faltar com a verdade e macular a dignidade militar”
É inútil esperar coerência de Jair Bolsonaro. Afinal, ele atravessou as últimas 90 semanas sem se importar com os fatos ou a realidade. Seu compromisso é com a reeleição. E só.
Num encontro virtual de líderes do G-20, sábado, decretou a inexistência de racismo no Brasil. Repetia o cadete 531 da Aman em 1977. Àquela hora, enterrava-se João Alberto Silveira Freitas — “pessoa de cor”, definiu o vice Hamilton Mourão—, assassinado por vigilantes dentro do Carrefour em Porto Alegre. Bolsonaro encontrou nos protestos antirracistas os subversivos de sempre, que tentam “importar para o nosso território tensões alheias à nossa história”.
Viajou a Macapá, onde reluz nova obra da sua imprevidência administrativa: o apagão que inferniza a vida de 800 mil pessoas. Incendiaram-se dois transformadores, e o da reserva está há um ano “em manutenção”. Responsável pela segurança energética, o governo deixou nas trevas 143 mil quilômetros quadrados do território nacional.
O apagão no Amapá durou 22 dias com luz de vela
Sob a luz do sol, Bolsonaro prometeu um futuro iluminado e abandonou o Amapá antes do breu noturno. Poderia ter esticado o passeio até São Paulo, onde a negligência governamental deixou encalhar quase sete milhões de testes para o novo coronavírus cuja validade vence nos próximos 40 dias, como revelou o repórter Mateus Vargas.
Voltou à cúpula do G-20 se autoelogiando na condução do “gigante pela própria natureza”. Proclamou: “Vamos continuar protegendo nossa Amazônia, nosso Pantanal e todos os nossos biomas”. Omitiu que, até 31 de agosto, o governo só gastou R$ 105,4 mil na execução da política ambiental. Nem falou do plano (PPA 20-23) em que transfere a quase totalidade dos R$ 140 bilhões do orçamento do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura.
Bolsonaro tem compulsão para fantasiar. Em 1988, o vício custou-lhe a exclusão da escola militar. Virou manchete no “Noticiário do Exército” (nº 7449) por “faltar com a verdade e macular a dignidade militar”. Na Presidência, mentiras são mais perigosas. Ocultam o pandemônio governamental, mortífero numa pandemia.