Discreto, desempenhou um papel importante nos bastidores da ditadura no seu ponto de inflexão
Foi o grande assessor de imprensa de Geisel
Morreu na madrugada desta terça-feira [3 de maio] o advogado Humberto Barreto. Tinha 90 anos e, pelo seu temperamento, afora os amigos e parentes, poucos lembram que ele foi um dos homens mais influentes da República ao tempo da ditadura. Formalmente, foi o secretário de Imprensa do presidente Ernesto Geisel de 1974 a 1977, quando assumiu a presidência da Caixa Econômica. Na vida real, era uma das pessoas mais próximas de um presidente reservado. Conheciam-se desde os anos 1940. Com sua mulher, Lilian, era eterno parceiro de biriba do casal Geisel e seu vizinho lindeiro em Teresópolis.
Em 1973, quando o amigo foi escolhido para a Presidência da República, estava escalado para a chefia do Gabinete Civil. Mexidas burocráticas fizeram com que acabasse na Assessoria de Imprensa. Ninguém sabia quem ele era, nem ele conhecia jornalistas. Tornou-se não só um assessor poderoso, como um batalhador pelo fim da censura. Entregava ao presidente textos vetados para mostrar os absurdos que a tesoura praticava, e as portas de sua sala ficavam abertas para os repórteres. Como Geisel evitava jornalistas, ele avisou, logo nos primeiros meses de governo: “Se eles têm lepra, sou o diretor do leprosário”.
General Silvio Frota, um golpista frustrado
Eram tempos difíceis, e Humberto Barreto navegou-os com calma sertaneja. Em outubro de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado no DOI de São Paulo, reservadamente, ele contestava a versão oficial do suicídio: “O presidente nem precisava falar para mim que não acreditava na versão do suicídio. Bastava ver as fotos”.
Meses depois, quando foi assassinado no mesmo DOI o operário Manuel Fiel Filho, Geisel demitiu o general que comandava a guarnição de São Paulo. A “tigrada” tentou circular a versão de que uma coisa nada tinha a ver com a outra. Humberto Barreto dizia o contrário. Seu telefone estava grampeado, e tentou-se criar um caso. Não adiantou. Como escreveu à época o jornalista Carlos Castelo Branco: “O Sr. Humberto Barreto tem sido informante correto, idôneo, atuante e de acesso fácil, segundo os jornalistas que fazem a cobertura do Palácio do Planalto. Isso não é fácil de acontecer, sobretudo quando se vive sob regime de exceção e de força”.
Nenhum assessor de imprensa teve a intimidade que Humberto Barreto tinha com Geisel, e a amizade dos dois seguiu pela vida afora. Era uma relação quase paternal. Humberto havia sido amigo de Orlando, o filho de Geisel que morreu em 1957, colhido por um trem. Tinha 16 anos e preparava-se para o vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica.
João Batista Figueiredo sucedeu Geisel e encerrou a ditadura
Em 1977, quando o ministro do Exército, general Sylvio Frota, era frequentado por vivandeiras que desejavam vê-lo na Presidência, Humberto Barreto deu uma entrevista defendendo a indicação do general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações. Não havia combinado com Geisel, mas ninguém acreditava nisso. Era verdade.
Cearense de raiz, Humberto passou pelo poder, foi presidente da Caixa Econômica e da empresa aérea Transbrasil. Entrou no palácio com a imprensa censurada e saiu dele com a censura acabada. Morreu com menos do que tinha ao entrar para o governo. Restavam-lhe a família, uma aposentadoria e um apartamento em Ipanema, que sua mulher trouxera de dote quando se casaram. Nos últimos anos, presenteava os amigos com peças de sua casa.