Pois é, fiz várias contagens. Usei critérios diversos na operação: só as crônicas publicadas no Jornal Contato, mais algumas que ficaram sem mandar; essa soma com outras estampadas em jornais variados; aquelas que considero pessoais, íntimas mesmo, e que não as quis estampadas; as encomendadas e circunstanciais… Os resultados oscilaram bastante, mas por fim cheguei à conclusão cercariam o número mil. Meu Deus, mil crônicas… Isso quer dizer que pelo menos mil e quinhentas vezes me sentei para tanto. Mil vezes!… E escrevi em diversas situações: triste, alegre, com garra, por compromisso, mas sempre emocionado e entregando meus tesouros. Sabe, escrever me é como se rezar. E, imaginem, nunca me faltou assunto, jamais “deu branco”. Não mesmo. Pelo contrário, ocorre com frequência a multiplicação de temas, uns provocando outros e todos se iluminando como dicionário do meu jeito de ver o mundo. Sou daqueles que professam a escrita de qualquer coisa como um atestado autobiográfico, e assim vou revelando a vida como ela me é… ou poderia ser.
Sebe e Maria Lidia dividiam uma página do Contato nos idos de 2008
Na camaradagem dos que se respeitam além da vaidade, permiti-me um abraço composto. Não é coisa pouca, não só pelo número, mas também pela assiduidade – 17 anos com poucas ausências semanais. Tudo começou antes de eu ser agraciado com o título de cidadão taubateano no ano de 2004. A generosidade do então vereador Chico Saad promoveu a outorga do título e na ocasião a abertura dada pelo Paulo de Tarso Venceslau se fez chave do processo que segue até hoje. De início supunha oportuno falar de livros, cultura e arte em geral. E assim comecei admitindo que meus dedos obedeceriam ao impulso inaugural. Errei. É verdade que as primeiras publicações no Contato foram resenhas de livros, principalmente de cronistas mineiros (verdadeiros mestres), em particular de Fernando Sabino. Foi sutil a transmutação da proposta inicial, de análises pretensamente críticas ou noticiosas, para o formato que banha minha praia literária, a crônica.
Descobri-me apaixonado crônico por crônicas apaixonadas, e fui me fiando com linhas capazes de costurar ilusões escribas. Adorador do gênero: rápido, atento ao cotidiano, preso ao detalhe, provocante, fui me metendo nos segredos daquela falação ligeira e preocupada com a leveza. Vendo em conjunto, hoje, percebo que minhas escolhas combinaram situações oportunas, datas relevantes no calendário coletivo com fatos pessoais que mapearam meus interiores, situações familiares, rumos da carreira. Olhando pelo retrovisor, percebo que fui buscando na crônica o meu próprio espelho e é com mirada analítica que percebo a mudança de pontuação, o atrevimento no uso de interjeições, enfim, a fuga dos ditames apertados dos manuais de redação. Sabe, acho que melhorei, ou pelo menos me encontrei escrevinhador…
Lobato está sempre presente em seus textos
E fui destilando sonhos – coloridos uns, desbotados outros – e nessa lenga posso notar uma continuidade cavadora do que tenho de melhor. Algo de lógica pessoal atravessa tudo que fui revisitando fases de minha experiência, trajetórias de amigos, dores e prazeres geracionais e amadurecimento político. Sim, cá e lá não deixei escapar meditações sobre o andamento nacional: partidos, floresta e educação… Conclui que não seria justo me considerar alienado e até lembrei da frase da Ruth Aquino dizendo “convenhamos, a alienação exige esforço”. Não fugi de circunstâncias engraçadas como “carequice”, inesperadas aulas de danças, enganos de pessoas, e até ousei falar de estripulias culinárias e de três passarinhos que ganhei de presente num perdido “Dia dos Professores”. Brinquei também com identidades regionais e com ênfase abordei a questão de minha “paulistanidade carioca”. Aliás, Taubaté nunca saiu de foco, e dois temas se fizeram mais recorrentes: Monteiro Lobato e a obra de Renato Teixeira. Tudo com muito afeto. Literatura e música tiveram aparições intermitentes e não poderia ser de outro jeito, dada a minha vocação e vontade de inventar um mundo menos cruel, mais justo e utópico.
Parceiros e amigos ao longo da jornada
Depois de (me) ler, achei um caminho redentor de mim mesmo. As crônicas – cerca de 900 publicadas no Jornal Contato – serviram de bússola para navegação neste plano. E se foi muito trabalho, foi também muito prazer, alegria que sintetiza minha pálida eternidade. Se melhorei, melhorei porque escrevi tantas crônicas despejadas nas páginas do Contato. Que venham mais 900. Novecentas ou mil?…