Para Isa Márcia
Sempre gostei de inverno. Sempre. É claro que não aprecio sentir frio, mas tudo que vem como complemento me agrada. Ainda no outono, quando o céu se avermelha no entardecer, começo pensar no pinhão, no milho, pamonhas. A trilha sonora – aquelas velhas musiquinhas conduzidas na base da saudosa sanfona – se faz na evocação de quadrilhas, bandeirolas coloridas e fogueiras. Sou daqueles que dispensam balões e fogos barulhentos, mas o resto…
Há um detalhe que me atrai bastante nas festas juninas: o tempo de encontros grupais, para festejos. Pretexto esperto para juntar amigos em torno de celebrações nostálgicas. Este ano passei por uma destas situações. Conto: amiga mais que querida, convidou achegados e permitiu uma colagem de velhos parceiros. Ah, como foi bom!… Gente afinada, reunida em torno de comida boa, bebida boa, com muita prosa muito boa.
Isa Márcia de chita e JC Sebe, festeiro acanhado de traje social
A dona da festa, anfitriã de mão cheia, esperou-se e nos recebeu com um belíssimo vestido de chita. “Comprei no mercadão”, disse toda dengosa. E foi o bastante para despertar a mais fecunda saudade da loja de meu pai: tempo de vender chita e chitão. Foi quando me dispus pensar a história desse tecido sem a qual seria impossível escrever nossas tradições. Sim, a chita atravessou os tempos e se impôs.
Apesar de ter se popularizado na África, principalmente entre as mulheres negras que desenvolveram técnicas de “amarração dos panos”, a chita originariamente provinda da Índia e desde a Idade Média foi levada por viajantes europeus até que, depois do século XVI, foi trazida para o Brasil. Os escravizados brasileiros, principalmente no século XVIII, aderiram às cores fortes e desenhos extravagantes, isso como forma de distinção dos senhores. Tradicionalmente, a chita ficou conhecida como tecido popular e até hoje mantém essa característica.
A palavra chita vem do Hindu, de chitz, e se notabilizou por ser uma prática de estamparia sobre morim (ou amorim) com de estampas largas, quase sempre com flores ou frutas. A chita na França, em torno do século XVII, era usada como tecido para decorar albergues, tavernas e demais espaços populares. De tal forma foi aceita que a elite se apropriou dessa prática para produzir outro tipo de tecido floral não mais sobre morim e com cores muito mais suaves. Fios de seda serviram para rica tecelagem e a palavra chitz virou indicativo de fazenda fina e cara, como é ate hoje.
A chita nos remete à África mãe
Atualmente, China e Coréia são os maiores produtores de chita. Entre nós, no entanto, na década de 1930, houve grande crescimento da produção. É desse período inaugural que a Fiação e Tecelagem São José, em Minas, na cidade de Mariana, tornou-se polo de produção. Nesse tempo, a produção da chita nacional era feita em teares manuais e com cromagem na base de cera. Não demorou para cair no gosto popular moderno, revelando uma memória que remete à África mãe.
Na década de 1950, a chita brasileira era produzida principalmente pela Fábrica de Tecidos Bangu que, contudo, de acordo com a mudança de padrão nacional, passava a dar preferência para a produção de tecidos mais finos, orientados pela nova moda francesa, afastando-se assim gradativamente da fabricação mais modesta. Vendo-se incapaz de concorrer com o mercado internacional, houve uma drástica mudança na produção de chita brasileira.
Atende todas as idades nas festas juninas
Muita gente tem curiosidade e quer saber como a chita/chitão se tornou tão popular nas festas juninas. Arrisco algumas sugestões. Em primeiro lugar, pelos escravos, ficou caracterizada como roupa de agricultores e com outros acessórios como chapéu de palha, espiga de milho e uso imitativo de apetrechos caipiras passaram a ter valor simbólico. O surgimento de uma classe média saudosa do campo fez com que se “folclorizasse” essa prática que ganhou também dimensões pedagógicas em festa infantis.
De toda forma, muito mais que falar de história, gostaria de saudar a chita que afetivamente nos permite lembrar de afetos que atravessam os tempos e nos juntam sugerindo o passado como presente de renovação de amizades celebradas com danças que dramatizam a história. A minha amiga vestida de chita avivou tantas lembranças e me fez pensar se há um sentido maior contido nas flores enormes e nas cores vivas de sua roupa. Viva a chita, viva quem a usa para fazer festas.