O mundo todo para assistir a Copa do Mundo que esse ano será realizada em Catar (ou Qatar?)
Foi tudo difícil, cruel, agressivo. Saímos machucados, tensos, apreensivos, mas vivos e desafiados pela estrela no fim do túnel. A hora é grave e de reconciliação; de todos e de tudo. Rejuntemo-nos, somos peças do mesmo quebra-cabeças e só fazemos sentido juntos. Reconheçamos os confrontos como causas cidadãs. É claro que não poderia ser de outro jeito: dois projetos contrários estavam em pauta. Nem vale repisar conteúdos posto que, fosse qual fosse o produto, teríamos que cumprir nosso destino como desdobramento da brasilidade na qual nos batizamos. Houve tanto empenho, tanto comprometimento, tanta energia depositada nos pleitos que só nos resta respeitar o veredito, apostando no sucesso dos vencedores. Fizemos o que achamos que deveria ser feito, e pronto. Venceu a maioria e por menor que seja a diferença ela é. Aliás, há certa beleza nisso.
Aprendemos muito também. Teremos que aguçar nossos olhares vigilantes nos eleitos e sermos críticos em relação a qualquer desvio. Com a garantia do funcionamento institucional e com a certeza de que as quatro linhas da Constituição serão plenamente exercitadas, nada nos impede de apostar em um futuro melhor. A história está aí para prova que sufocos maiores foram vencidos e agora, muito mais do que teorizar sobre as quebras, resta-nos elaborar estratégias de emendas.
Seleção de ouro em 1957 nas eliminatórias para 1958
Olhando o calendário deste ano louco – louquíssimo seria mais apropriado, não? –, vemos uma sucessão de atropelos fatais: a covid sendo superada (com custo de quase 700 mil vítimas), as campanhas eleitorais intensificadas ao limite do suportável, e agora o atropelante começo das celebrações de fim de ano. Felizmente, antes do ciclo natalino teremos a Copa do Mundo no distante Qatar, espaço absolutamente bizarro à nossa percepção. E não será uma aventura para público qualquer, mochileiros por exemplo: caro demais, apenas ricos conseguirão pagar – diferentes dos usuais barulhentos tipos “doidos por futebol”. Com sérias limitações quanto ao uso de álcool, com torcidas e até trajes controlados, em Doha será tudo diferente. Fico pensando nessas singularidades hospedeiras e reavalio o peso desta Copa no metabolismo brasileiro atual.
Cacá Diegues, depois de 20 anos vai filmar novamente seu provocante “Deus é brasileiro”. E, supondo o Criador como malandrinho apaixonado pela gente, dimensiono se não o é mesmo, vejam: colocar o campeonato do mundo logo depois das eleições é prova de amor devotado. Não? E temos que ser fiéis. Fiéis torcedores, amantes capazes de abraçar diferenças que se encolhem quando a bola rola e nos ressignifica. Roberto DaMatta já decretou que somos o país do futebol. Suas análises espertas sobre dribles, mecanismos instintivos de contorno dos adversários, requebros exigentes de mexidas nos quadris, tudo junto, nos faz pensar na busca de uma vitória que, afinal, é de todos nós.
Tite votou em Lula, Neymar optou por Bolsonaro
E em casa, com familiares, amigos, amigos de amigos e também adversários políticos, seremos convocados à união: voltaremos cantar as mesmas marchinhas e o hino nacional será de todos. Aquela camisa verde-amarela guardada por quantos deixaram de usá-las por questões ideológicas voltará a tomar ar, e seus corpos se abraçarão a cada gol. As bandeiras do país se agitarão com as de muitos outros times regionais, e tudo se aplacará. Sabe, vejo algo mais que certamente servirá de solda. Há 20 anos não chegamos a uma final. Lá atrás, em 2002, Felipão apoiou Ronaldo, e o Fenômeno fez milagres. Ganhamos o penta. Vinte anos se passaram e agora, sob o comando de Tite (que votou no Lula) temos o Neymar (que votou no Bolsonaro).
Pois é, juntos os opostos, finda a eleição, estão no mesmo time, juntos. Entoemos então: Futebol acima de tudo; Brasil acima de todos.