Casa Museu Eva Klabin
Faz mais de um mês que esta história ronda minha cabeça. Um mês é pouco tempo para desenrolar um caso tão envolvente e de interesse público. Trata-se de um clã que por si só valeria uma série empolgante. Falo da família Klabin, especificamente de duas irmãs, Eva, a mais velha e Ema, a segunda. Na realidade eram três, pois Mina, a caçula, faleceu deixando um vazio notável. Começando pelo fim – qual aqueles filmes que quebram o impacto do término surpreendente – elas não tiveram filhos, deixaram uma herança enorme. Não seria difícil imaginar os problemas sucessórios. E, em vista da qualidade e do valor do patrimônio deixado, muitos se colocariam como interessados. Elas optaram por soluções originais e de efeitos na cultura artística.
Tudo teria começado na Lituânia em fins do século XIX quando a pressão sobre famílias judias forçava a busca de novos espaços para a vida familiar. Os pais das três irmãs nascidas na Europa vieram inicialmente para São Paulo onde a família abriu negócios de papelaria e imprensa. Evoluindo depois para outros ramos, o grupo se constituiu numa das mais sólidas empresas nacionais. Eva casou-se e mudando para o Rio de Janeiro, lá tratou de organizar sua coleção em local próprio. Ema ficou em São Paulo e acompanhou de perto o pai, principalmente abalado depois da morte da esposa. Como a irmã também era apegada às artes.
As irmãs Eva e Ema Klabin
Ema acabou por assumir a liderança dos negócios familiares tornando-se uma clara exceção em um contexto dominado por homens e muito a ajudou a rede de contatos internacionais e o fato de dominar pelo menos 5 línguas. A educação básica escolar das filhas de Hessel e Fanny, se iniciaram na Europa, na Alemanha e Suissa onde moraram. Como no Brasil apenas existiam escolas para meninas católicas ou a Escola Normal, elas se valeram de preceptores que as dotaram de fina formação. Afeitas às viagens, em intervalos de trabalho, Ema e Eva gostavam de viajar e até mantinham reservas efetivas em hotéis em Paris e Londres. E fizeram, por cinco vezes, cruzeiros de volta ao mundo. Leitoras ávidas, apreciadoras de música erudita e artes variadas, frequentaram os melhores salões e salas de espetáculo do mundo. Ao mesmo tempo tinham abertura para diferentes culturas que compuseram um certo gosto universal presente nas coleções montas por ambas.
Como tantas outras famílias probas, foi depois da Segunda Guerra Mundial que as irmãs começaram a comprar obras de arte. A abertura do comércio de artefatos finos se ampliou nesse tempo e elas tinham capital para aproveitar as oportunidades. Ambas se entregaram a esse capricho com empenho e dedicação e com ajuda de intermediários espalhados pelo mundo. Chama a atenção o fato de ambas as irmãs manterem o mesmo propósito, ou seja, organizarem suas coleções segundo a decoração das próprias casas que, afinal, foram transformadas em fundações, uma no Rio e outra em São Paulo.
Fundação Ema Klabin
Mesmo isso não sendo comum no Brasil onde poucas famílias cuidaram de manter suas coleções enquadradas no que convencionalmente se classifica como Casa Museu, variedade museológica que conecta o colecionador, a coleção a uma residência. No mundo, esse gênero de mostra tem destaques que certamente inspiraram as irmãs Klabin, como é o caso do John Soanes´ Museum de Londres, do Duque d´Aumale em Paris e da Flick Collection em Nova York.
No Brasil, algumas casas guardam o mesmo sentido como os Museus Mariano Procópio de Juiz de Fora, o Castro Maya no Rio, o Carlos Costa Pinto de Salvador e o Maria e Oscar Americano em São Paulo, entre outros.
Em São Paulo, Ema preparou sua residência em terreno privilegiado no Jardim Europa. No Rio, Eva se valeu da Lagoa Rodrigo de Freitas. Nos dois casos há a combinação de pintura, esculturas, objetos de uso religioso variado e referências ancestrais. Tudo com absoluto bom gosto e combinação que revela conhecimento. As duas casas foram montadas para abrigar os acervos e a localização dos objetos respeita uma articulação que revela a intenção das donas. Ema mandou construir sua residência em um espaço de 4 mil metros quadrados e a inspiração foi um de seus lugares preferidos o Palácio de Sanssouci, em Berlin. Eva optou pelo estilo normando, e em terreno menor e de três pavimentos manteve a coleção distribuída por salas temáticas com domínio da procedência das obras, assim Sala Renascença, sala Inglesa. Ema privilegiou a arte moderna brasileira em combinação eclética.
Não basta conhecer a experiência dessas duas irmãs e nem só usufruir as belezas das peças. Torna-se necessário a divulgação dos dois patrimônios abertos ao público, apresentando a chance de pensar o papel da elite econômica nacional. Reclama-se também de hábitos de brasileiros viajantes que apenas frequentam museus na Europa ou nos Estados Unidos. Uma visita a estes dois acervos certamente trará surpresas e mais que gosto pessoal pode abrir caminho para se pensar em uma política pública de facilitação a museus.