Equipe que fez o filme A flor do buriti, premiado em Cannes
Em meio a produções de medalhões cinematográficos como Martin Scorsese, Aki Kaurismaki e Pedro Almodóvar, o filme brasileiro de Karim Aïnouz, Firebrand ganhou uma recepção simpática, embora fugaz, mas permaneceu como vistoso competidor da Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes 2023, no último domingo. Um feito que não é pouco visto a importância e o prestígio do prêmio da Croisette no universo da arte do cinema internacional. Re-esmiuçar a figura de um rei francês, Henrique 8º, e das mazelas com a última mulher dele, Catharina Paar, apresentando a ambos para o público, para críticos e cinéfilos franceses é uma audácia notável.
Cannes, este ano, foi das mulheres. O festival cedeu ao forte poder e à visibilidade inequívoca dos movimentos feministas cada vez mais ativos e vigorosos ao redor do mundo e trouxe diversos filmes de realizadoras diretoras firmemente reconhecidas em seus países, outras em começo de carreira, e também atrizes excelentes de regiões fora dos grandes polos de produção assim como produções com personagens de mulheres controversas e encarnadas por atrizes inscritas nas galerias de intérpretes notáveis.
A ver a presença efetiva feminina em Cannes 2023:
– No palco, a presença de uma afetada Jane Fonda entregou o prêmio à diretora Justine Triet, de 44 anos, terceira mulher a receber a Palma com Anatomie d’une Chute. Fonda se parabenizava e com razão. “É bom ver a mudança das ‘coisas’; sete diretoras este ano concorrendo é um recorde!” Triet foi precedida por Jane Campion, laureada por O Piano, em 1993, e por Julia Ducournau, de Titane, em 2021.
Jane Fonda e Justine triet
– Em seguida ao anúncio, o lado ativista de Triet aproveitou para, eufórica e com a Palma nas mãos, criticar duramente as políticas da previdência do tumultuado governo de Emanuel Macron e leu o seu pequeno, mas indignado discurso de agradecimento, sob fortes aplausos da plateia. Praticamente todos os canais de noticiários de TV da França, no fim de semana passado, reproduziram a fala emocionada de Triet.
– O grande premiado Anatomie d’une Chute reconta a história verídica de uma mulher, Sandra Voyter vivida pela brilhante atriz alemã Sandra Hüller. A protagonista é uma escritora que, depois do marido morrer caindo do telhado da casa em que a família vivia nos Alpes quando fazia uma obra, é acusada de assassinato e precisa provar sua inocência. O (bom) roteiro traz a versão do filho adolescente do casal, que é cego de um olho, única testemunha presente no momento do acidente dessa queda.
– No seu discurso de vitória Triet também chamou a atenção para o importante fato de o cinema estar sob a influência da linguagem das séries de TV. ‘’ A França está passando por mudanças. O cinema que a gente faz já não é o mesmo do passado e está operando sob a influência das narrativas de séries. Mas tento retratar mulheres fortes que enfrentam as imposições da sociedade”.
– A excelente atriz alemã Sandra Hüller, 45 anos, de Anatomie d’une Chute, interpreta também uma nazista influente na sociedade, no aplaudido filme Zone of Interest, de Jonathan Glazer, baseado em romance do recém falecido escritor Martin Amis.
– O brasileiro A flor do Buriti, de Renée Nader Messora e João Salaviza, e produzido por Julia Alves e Ricardo Alves Jr., recebeu o Prix d’Ensemble (Melhor Equipe) da mostra Un Certain Regard. Em 2018, Renée e João apresentaram e fizeram sucesso no mesmo evento com o festejado Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, exibido nos cinemas brasileiros. Agora, A flor do Buriti foi ovacionado por mais de dez minutos em uma sessão emocionante. O doc trata da luta pela terra da comunidade indígena dos Krahôs e sua resistência na aldeia Pedra Branca, em Tocantins.
– Em L’été Dernier ( No último verão ) a atriz francesa Léa Drucker faz uma advogada que mantém um caso de amor com o seu enteado adolescente. O filme é de Catherine Breillat.
– Um dos prêmios mais surpreendentes foi a Palma de Melhor Atriz para a turca Merve Dizdar, jovem estrela de About Dry Grasses, do excelente diretor turco Nuri Bilge Ceylan – ele, Palma de Ouro em 2014 com o tocante e belo Winter Sleep já exibido aqui. O filme é aguardado por aqui com grande expectativa.
– É oportuno lembrar que a brilhante Justine Triet é a diretora também de A Batalha de Solferino, seu primeiro longa-metragem, uma comédia disponível no Brasil, na plataforma Filmicca. O filme foi indicado ao Prêmio César e escolhido como um dos melhores filmes de 2013 pelo Cahiers de Cinéma. A história dele é esta: no dia 6 de maio de 2012, segundo turno das eleições presidenciais na França, a jornalista Laetitia está saindo de casa atrasada para trabalhar na cobertura dos eventos na Rue de Solferino, sede do Partido Socialista, quando no mesmo momento Vincent, seu ex-marido, aparece um dia atrasado para visitar suas duas filhas.
– A paulista Lillah Halla, autora de Levante e ex-estudante de cinema em Havana, ganhou outro prêmio de peso, da crítica em Cannes, oferecido pela Fipresci.
– E foi ao saudoso som de Tina Turner, com The Best, que o Festival de Cannes estendeu seu tapete vermelho para o filme ganhador da Palma de Ouro de 2023, Anatomie d’Une Chute.
– O L’Oeil d’Or, premio de Melhor Documentário foi uma decisão de empate entre dois docs, um deles dirigido por uma realizadora tunisiana e a outra marroquina. Ambas denunciam a opressão contra as mulheres em uma África de ascendência islâmica. Asmae El Moudir, do Marrocos, foi laureada por Le Mère de Toutes Les Mensonges no qual recria uma passeata de 1981 e os segredos políticos que a cercam. E Kaouther Ben Hania, da Tunísia dirigiu Les Filles d’ Olfa retrata a história das duas filhas da protagonista que sumiram após um envolvimento com movimentos radicais. Doc híbrido que mistura ficção e realidade.