Esquerda não peitou indicação de ex-advogado de Lula; reclamar depois da posse é chorar o leite derramado. Qualquer semelhança com um militante da TFP (Tradição, Família e Propriedade) não é mera coincidência
Bastaram três semanas para a esquerda se dar conta de que Cristiano Zanin não tem nada de progressista. O ministro debutou no Supremo com uma sequência de votos de viés conservador. Sua estreia irritou apoiadores do governo e alegrou a oposição bolsonarista. O ex-advogado de Lula se alinhou à direita em julgamentos sobre transfobia, direitos indígenas e porte de maconha para uso pessoal.
Escorregadio: Em sabatina, Zanin afagou oposição e evitou dizer o que pensa. O estranhamento começou quando ele rejeitou uma ação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos. A entidade pedia que atos ofensivos à população trans fossem equiparados ao crime de injúria racial. A tese foi acolhida até pelo ministro Kássio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro. Zanin alegou razões técnicas para dar o único voto contrário.
No julgamento sobre a maconha, o jurisconsulto voltou a se isolar na Corte. Entre os seis ministros que já se manifestaram, só ele se opôs à descriminalização do porte. Ao justificar a divergência, disse que a que a medida aumentaria o consumo e agravaria problemas de saúde ligados ao vício.
Tudo em casa: Lula e Cristiano Zanini com respectivas mulheres Valeska e Janja
O argumento é retrógrado e ignora a experiência internacional. Além disso, desconsidera o cerne da questão: o modelo atual tem lotado as cadeias com jovens negros e pobres. Presos com pequena quantidade de droga, eles viram mão de obra barata para as facções criminosas que dominam os presídios.
No início da semana, Zanin manteve a condenação de dois homens acusados de furtar um macaco hidráulico usado, dois galões vazios e uma garrafa pela metade de óleo diesel. Os itens custavam R$ 100 e foram recuperados pelo dono. Mesmo assim, o novo ministro se recusou a aplicar o princípio da insignificância. O voto sugere que suas convicções garantistas só valem para réus abonados.
Na sexta-feira, o ex-advogado de Lula rejeitou uma ação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. A Apib acusou a PM de Mato Grosso do Sul de atuar como “milícia privada” e pediu medidas para proteger a população guarani-kaiowá. A maioria do Supremo acolheu a demanda. Zanin ficou do lado do fazendeiro Gilmar Mendes e da dupla indicada por Bolsonaro.
Em março, Lula disse que “todos compreenderiam” se ele indicasse seu advogado ao Supremo. Acrescentou que Zanin “merecia” uma cadeira no tribunal. O presidente deixou claro que usaria a vaga para premiar seu defensor nos processos da Lava-Jato. Parte da esquerda murmurou que preferia a nomeação de uma mulher negra, mas a maioria silenciou diante dos outros problemas da escolha. Reclamar agora é chorar o leite derramado.
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Zanin não enganou ninguém. Antes da sabatina no Senado, cortejou a bancada evangélica e colheu elogios da pastora Damares Alves. Nos últimos dias, passou a ser festejado por outros próceres do obscurantismo. A simbiose tende a aumentar em breve, quando o tribunal começar a julgar a descriminalização do aborto.
O novo ministro não é o primeiro conservador a chegar ao Supremo pelas mãos de Lula. Em tempos menos turbulentos, o petista indicou Cezar Peluso e Carlos Alberto Menezes Direito. Em defesa deles, ambos já tinham longa carreira na magistratura. E nenhum havia defendido o presidente em causas particulares.