Sabe-se que páginas da História nem sempre são justas. A lista de personagens não merecedores de destaques positivos é grande, e à contrapelo há anônimos que ficariam bem em garbosos panteões. O mesmo se diz de animais, pois alguns são prestigiados, tidos como parceiros incondicionais – quantas vezes não ouvimos “donos” chamando seus pets de filhos, com nomes pomposos, enfeites exóticos, tosas da hora, roupinhas e até festas de aniversários. E há os outros, mais ou menos aceitos ou rejeitados…

De regra, dois critérios concorrem para o prestígio dos bichanos: os detentores de poderes naturais, fortes, campeões da cadeia alimentar – leões são elevados a reis e águias chegam a símbolos nacionais. Em nível doméstico, cães, gatos, às vezes hamsters e coelhos, são aclamados. Aves selecionadas também constelam escolhas das quais canários, araras e calopsitas logram prioridades. Pensando nessas variações, valeria supor uma espécie de darwinismo psico/animal. E é exatamente neste contexto que acontecem as iniquidades.

Levando-se em conta os papagaios na escala de preferências, ocorreu-me uma retomada capaz de nutrir argumentos realocadores. Calma, muita calma nesta hora, pois sabe-se do protagonismo de alguns famosos. Contudo, dando asas (desculpem-me pelo trocadilho) ao critério seletivo, vale reclamar melhor colocação para os penados em geral que, humilhados, tantas vezes se prestam a piadas chulas ou dizeres rebaixadores. Os amados, nesta listagem, são exceções honrosas e muitas vezes apagam os demais.

Sabe-se que papagaios são aves que existem há milhões de anos. Acredita-se que tenham surgido na Austrália e de lá migrado, gerando alhures cerca de 350 espécies diferentes – com destaque as dos países tropicais que se distinguem pelo tamanho, colorido e multiplicidade de sons emitidos. É exatamente isso que permite reclamar da injustiça classificatória, em particular para nós brasileiros.

No mais das vezes, o protagonismo dos bichos na motivação colonizadora europeia é achatado. Lembremos, por exemplo, que Colombo no retorno de sua primeira viagem à América, segundo Las Casas, causou furor com 40 exemplares. Em termos de Brasil, desde a Carta de Caminha, tivemos a exaltação dos “louros” a ponto do secretário veneziano em Portugal se referir a nós como “Terra dos papagaios” – e assim entramos na literatura de viagens.

E não tardou para que as aves brasileiras concorressem no mercado de animais traficados, implicando inclusive riscos de extinção. E no processo, o imaginário sobre o Brasil sempre se fartou dos papagaios, de tal forma que lendas correram a ponto de se ouvir que dom Pedro I optou pelo “grito” devido a revoada alucinante de papagaios que repetiam “Independência ou morte”. Se o teor desse fabulário é duvidoso, não se pode dizer o mesmo em relação ao filho, Dom Pedro II, que sendo ornitólogo, mais que estudar os pássaros, colecionava-os e são famosos alguns de seus mantos feitos com plumagens dessas aves.

E através dos tempos certos papagaios conquistaram protagonismos. Curiosamente, personagens expressivos do mundo das artes e da política se apresentavam com suas “aves falantes”. Talvez o caso mais impressionante seja o de Winston Churchill, Charlie, que aprendeu a xingar Hitler. Não faltam indicações como Garcia Marques que, segundo contação corrente, formulou seu realismo fantásticos em conversas com o interlocutor “Arturo”. Aliás, em literatura não dá para esquecer Virginia Wolf no delicioso conto “A viúva e o papagaio”, uma das maiores elegias ao bicho. É claro que nosso Luís Fernando Veríssimo não perdeu a oportunidade e nos faz pensar filosoficamente com o “Papagaio depressivo”.

|

E tantos são os exemplos na pintura, como o caso de Frida Kahlo que fez seu autorretrato ao lado de um exemplar e não satisfeita mais tarde pintou “Eu e meus papagaios”. Isto sem antes falar do audacioso Coubert com sua “Mulher com papagaio”. É lógico que Portinari não os deixaria passar sem registro, identificando-os com a exuberância de nossa paisagem.

Seria parcial, porém deixar de assinalar a sedução provocada pelos papagaios hoje, em nossa cultura. Nesse quesito, aliás, ganha prioridade o “Zé Carioca” de Walt Disney, projetado em 1942 – atualizado com variações em “Alô, Amigos” (1942), “Você já foi a Bahia?” (1944), mais recentemente em 2011 com “Rio”, e em 2014 com “A floresta mágica”.

De um jeito ou de outro, simbolicamente os papagaios integraram nosso cotidiano fazendo parte de nossas referências, boas ou ruins. Atestado disso, Ana Maria Braga notabilizou o “louro José”, colocando-o como interlocutor privilegiado, não sem razão compondo o cenário da cozinha, coração da casa. E no cotidiano o papagaio se faz presente seja nos brinquedos infantis – ah, as pipas – ou em dizeres populares onde aliás se destaca a expressão “falar como papagaio”. Valho-me, aliás desta menção para encerrar esta crônica que, com razão, leva o nome de papagaiada e, assim, falando reclamo por lugar de honra, além dos famosos, pois afinal, de um jeito ou de outro, mais ou menos amados, conhecidos ou anônimos, os papagaios nos representam. Somos todos papagaios.