Festa de descasamento em grande estilo já virou até assunto de novela, como em São Jorge
Lembro-me de um tempo em que se dizia que maio é o mês das noivas. Na loja de meus pais no interior de São Paulo, preparávamo-nos com tecidos brancos, véus e rendas. Tafetás, sedas finas, gorgurões para madrinhas e para as “daminhas”. E era uma festa anunciada que demandava preparo, esmero. Havia revistas especializadas e até firmas de planejamento que garantiam bons lucros. Convites e enfeites eram motivos comerciais comuns. As igrejas não tinham datas livres e os bufês estavam sempre com agendas cheias. E tinha lua de mel, presentes especiais, tudo enfim para fazer o casório “um dia inesquecível”.
Os tempos, contudo, mudaram. Hoje, maio é um mês rotineiro e o feriado do Dia das Mães ocupa centralidade. Essas ponderações me vieram à cabeça quando recebi um estranho convite “Venha à minha festa de divórcio, vou virar solteira novamente”. Não fosse a consideração que tenho pela colega que enviou o convite, poderia pesar ser alguma brincadeira. Mas não era. Confesso que parei para pensar no assunto. Envelheci? “Desmodernizei-me”?
Tradicional festa de casamento comemorada por mulheres
Dia antes, num desses arroubos de pensamento vagabundo, na solidão de uma noite nostálgica, havia concluído que poucas coisas ainda me causariam surpresa. Achando que nascido durante a Segunda Guerra Mundial havia experimentado tantas mudanças notáveis, supus-me amortecido por experiências inauditas. E não é que me enganei. Nem preciso dizer que sou do tempo em que se acreditava na perenidade do casamento e que os casos de separação não passavam de exceções que marcavam juridicamente o vínculo até que a morte os separasse. No caso, o que ocorria era a divisão dos bens, a quebra da moradia sob o mesmo teto e do compromisso de fidelidade. Consequência dramática desse instituto antiquado era a inviabilidade de novo casamento. É verdade que a partir de 1977, com a criação da Lei 6515/1977 – também conhecida como Lei do Divórcio – as coisas foram flexibilizadas, exigindo-se uma espera de dois anos, condição mudada. De fato, a Constituição Federal de 1988 abriu caminho para avanços.
Não deixa de ser notável a mudança rápida do conceito de casamento no mundo e em nosso país. Em 2021, o IBGE, por exemplo, constatou a diminuição de laços matrimoniais, em contraste com a ampliação crescente das desuniões. E os números alarmam: 932.502 casórios e 386.813 separações, numa diminuição desde 1980, de 5,8% das uniões e aumento de 11,8% nas desuniões. Se antes a vergonha, uma espécie de luto amoroso, ditava conduta, agora fala-se em festas, algumas de arromba com mimos e lembranças marcando a ocasião.
Sondando a questão aprendi que há firmas especializadas e que tratam a situação com requinte, cuidando por exemplo de casos em que ambos os (ex) nubentes promovem o evento – e isto para mostrar que a separação foi amigável e que houve acordo de paz entre os pares. A maioria das festas, contudo, é de mulheres que se sentem libertadas de amarras como usar o nome do (ex) marido. Soube de um caso em que os (ex) noivos, depois de uma união muito rápida, coisa de dois anos, resolveram devolver os presentes. Fiquei perplexo…
Mas realmente me alarmei com a notícia de firmas que se especializam em transformar alianças em outras joias. Os chamados “Anéis de Divórcio” passam a significar materialmente uma nova fase e que precisa ser marcada com transformações importantes. Novamente as mulheres ganham a dianteira nesse estranho projeto de reordenamento das vidas pessoais, mas sabe-se que homens também aderem a tal investida e, o que é mais crítico, para presentear novas parceiras.
Na medida em que ia me aprofundando em informações, aprendi muito deste novo filão do mundo capitalista que, em Nova York, firmou negócio próspero e com especialistas que inclusive sugerem diamantes negros e fusão de outras joias dadas pelos “exs” como marca do rompimento. Na mesma ordem ouve-se até que “casamento hétero, oficial, é coisa do passado e que agora só gays querem se casar”. E que dizer dos contratos de casamento vinculando datas de duração e termos de desunião?
Pois é, tanta mudança, tantas alterações nos fazem pensar nos novos projetos de vida familiar. Como será que os casamentos vão se comportar em alguns anos? Imagino que apesar dos tais “amores líquidos” eles continuarão a existir e isso se dará até porque nunca faltarão motivos para festas. Festas de uniões e de desuniões.