São João, Santo Antônio e São Pedro são festejados em junho
Ando com uma saudade danada de meus juvenis dias festivos. Quando o inverno ainda era frio (lembram-se disso?), na minha cidade do interior havia festejos para todos os gostos: reza para devotos (com direito a novenas); quermesses com barraquinhas vendendo quitutes de milho, pinhão e doces cristalizados; dança para a moçada que gostava de quadrilha e até sei de vários namoricos que começaram por esse tempo. Junho era aguardado e até me lembro de uma polêmica que mantive por anos, com uma tia adorável, muito católica, devota de São João. O pomo de nossa discórdia não era a “maçã do amor” (que aliás, conheci em uma dessas movimentadas noites, num parque de diversão). O que nos dividia era a insistência dela em dizer que todos erravam ao dizer “festa junina” e que deveria me corrigir assumindo que o correto era “festa joanina”. O argumento capital dessa tia de nome Julieta era que os outros santos comemorados no mesmo mês, Antônio e Pedro, eram menores, muito menores. Cresci, e no arquivo da saudade daqueles tempos procurei saber mais dessa tradição.
Uma festa que ainda resiste ao tempo
Desde o começo de nossa colonização, um dos cinco santos mais prezados pelos povoadores era São João, em particular por aqueles que provinham da cidade do Porto, que tem esse santo como patrono que, como dizem, desbancou em 1911 a antiga patronesse Nossa Senhora de Vandoma. Conta a moderna tradição que tudo começou com a preparação da vinda do rei que visitaria a cidade, mas que nunca chegou. Com a recepção preparada, o povo decidiu anualmente repetir a festa que, afinal, disfarçava a frustração e assim passou a homenagear o santo do dia. A par do anedotário, outra dúvida passou a reinar porque dizia respeito a incoerência entre o espírito da festa e a escolha daquele santo de biografia tão sisuda. Afinal, como um ser tão austero virou motivo de festança tão alegre? Minha tia nunca explicou isso, pelo contrário ressaltava a severidade daquele ser ranzinza que se isolava no deserto, vestia-se com pele de animais, jejuava e quando comia, abastecia-se de gafanhotos. Então como música, dança, fogueira teriam composto o ritual? Aliás, o caso das fogueiras interessa muito, pois serve como chave para algum entendimento da matéria.
Santa Izabel, mãe de João, de idade avançada, não poderia mais engravidar. São Zacarias, o marido, numa noite estrelada e fria, recebeu a visita do anjo Gabriel que, por intercessão da Virgem Maria, prima de Izabel, havia conseguido o milagre. Curiosa e exultante, a gravida indagou a data do parto e então a Mãe de Jesus anunciou que uma fogueira se acenderia na noite certa (e o tal dia foi 24 de junho), época em que, no hemisfério Norte, o dia é mais longo. Exatamente seis meses depois, 24 de dezembro, nasceria o primo em segundo grau, Jesus, que mais tarde, pelas mãos de João, seria batizado no Rio Jordão. Assim, duas explicações se completariam: porque a data e porque a fogueira, e, de brinde ainda corria a justificativa do enorme número de telas renascentistas figurando os dois meninos: São João e Jesus.
São Zacarias, em noite estrelada, recebeu a visita do anjo Gabriel
Mas não se pode esquecer que toda lenda tem vida própria e progrediu mundo ibérico afora implicando recomendações como: jamais apagar a fogueira, pois isto esfriaria nascimentos familiares; pular a fogueira traria sorte e realização de três desejos; fazer roda no sentido do relógio afastaria maus agouros comunitários e estreitaria os laços de amizade. Porém, nem só de ligações cristãs sobreviveu a festa. Alguns defendem sua origem no século III, em festins evocativos da fertilidade. Há registros de manifestações com fogueira, entre pagãos, na época das colheitas, que no solstício de verão, agradeciam pelos sucessos nas plantações. Alguns autores vão além e ligam essa versão à linhagem católica mostrando que a prática de balões é uma saudação aos céus pelas graças recebidas e pelas vindouras.
No Brasil, em particular no Nordeste, ao contrário do Sul e Sudeste, manteve-se a celebração de São João que é hoje um evento turístico da maior grandeza. Independente disso, no meu íntimo, ainda preside a recordação dos dias encantados de minha mocidade, e pensando nessas aventuras, ouço baixinho a memória resistindo e, mesmo desafinado, há um coro de anjos caipirinhas entoando o verso de outro João (de Barro) pedindo na “Capelinha” para manter acesa a fogueira de São João… “São João, São João, acende a fogueira do meu coração”…