Placa no viaduto da Independência com logo do governo anterior, depois de quase dois anos da nova gestão

Confesso-me chocado ao ouvir candidatos, durante o horário eleitoral, defendendo as escolas cívico-militares como solução educacional. Além das imposições feitas sem o devido apuro teórico-educacional, e sem os desejáveis diálogos filtrados por especialistas, o que temos é uma proposta verticalizada e economicamente cara, já que aumenta consideravelmente o salário de militares da reserva — pessoas recrutadas sem critérios adequados para atuar em setores administrativos-escolares, como se civis não fossem capazes. Além de fragmentar a estrutura, toda a comunidade escolar sofre com a presença desses corpos estranhos à educação, que, de outra forma, estariam gozando suas aposentadorias. Destinados a funções administrativas, supõe-se que tais “profissionais” não interferem nos currículos. Ledo engano, pois a presença desses elementos cria divisão de competências, como se programas educacionais não demandassem unidade, coesão e diálogos especializados.

Antes de continuar, convém saudar a existência de excelentes Colégios Militares, que existem no Brasil desde a Proclamação da República, em 1889. Em 14 capitais, os bons resultados desse modelo comprovam a eficácia para aqueles que optam pelas

Forças Armadas. Isso nada tem a ver com as escolas cívico-militares impostas por decreto em 2019, no Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, que, já em 2023, somava 216 unidades instaladas com dotações especiais. Aliás, sob a perspectiva histórica, hoje é evidente a campanha demolidora feita contra Paulo Freire e sua pedagogia libertária. Esta constatação merece cuidado, pois revela a perversidade do projeto em curso nos governos estaduais. Sim, há um método programático nessa proposta antidemocrática. E, ironicamente, há ainda quem fale em escolas sem ideologia…

As cívico-militares têm sido apresentadas como suposta solução para problemas de disciplina e desempenho escolar, concorrendo com as demais instituições públicas, como se estas não conseguissem manter a ordem necessária para um bom aprendizado. Cria-se, assim, um sofisma que se torna dogma. A proposta, no entanto, é uma alternativa disfarçada de solução para problemas complexos, escondendo a incapacidade dos governos de promover um ensino público de qualidade e acessível a todos. O acúmulo de problemas — manifestado nas péssimas condições de infraestrutura, na crônica desvalorização das carreiras docentes e na carência de recursos e métodos pedagógicos inovadores — tem servido de combustível para a imposição de propostas autoritárias, desviando o foco de uma educação dinâmica, demandando um ambiente controlado por regras que, certamente, são prejudiciais ao desenvolvimento integral dos alunos.

A proposta educacional cívico-militar baseia-se na falsa premissa de que a disciplina rígida é condição para melhor desempenho escolar. Contudo, essa abordagem ignora o fato de que o ambiente escolar deve ser um espaço de liberdade crítica, criatividade e convívio social, que favoreça o desenvolvimento emocional. Tudo isso é contrário à robotização e à repressão imposta de cima para baixo. Em uma sociedade democrática, a escola deve preparar os alunos para o exercício da cidadania consciente, tornando-os capazes de refletir, questionar e participar ativamente na solução de problemas. A militarização das escolas, ao contrário, sufoca o desenvolvimento dessas competências.

Crianças e adolescentes precisam de espaços que incentivem o diálogo, não de prescrições que os forcem a aceitar ordens, a usar uniformes militarizados, cortes de cabelo padronizados e alinhamentos definidos por premissas biológicas e comportamentais. Esses ajustes, prescritos por normas nada democráticas, gera insegurança emocional, além de sufocar o senso de pertencimento à comunidade interna e a relações com o mundo externo. Aliás, o critério de exclusão dos “desajustados” é outro problema fatal, promovido por quem supõe que a existência de escolas desse padrão seja escolha preferencial das famílias que optam por submeter seus filhos a esse regime. Não se enganem: crianças com problemas não se encaixam nessa seleção discriminatória. Então, para onde mandá-las? E tem mais: quando os alunos “formados” saem do ambiente militarizado, enfrentam dificuldades para lidar com a liberdade e tomar decisões de forma consciente e independente. Além disso, desaprendem a conviver com os demais.

Campanhas de conscientização podem mostrar que o desenvolvimento pleno dos alunos depende de uma educação que valorize a diferença, o diálogo, o convívio coletivo e o pensamento crítico. É necessário enfatizar que escolas públicas de qualidade são possíveis, mas demandam investimentos e políticas educacionais comprometidas. A melhoria das escolas deve vir pela valorização da educação como um todo e com decisão política amparada pela população civil.

Mas, afinal, que lições podemos tirar dessa experiência, agora transformada em propaganda? Muitas, diria eu, a começar pela crítica que deve ser filtrada nas discussões dos programas de governo de prefeituras e câmaras municipais, a hora é esta. Sejamos questionadores fervorosos e façamos escolhas conscientes, lembrando que a educação é redentora. Redentora, se exercitar a democracia, discutida e conquistada no diálogo com a diferença. As escolas cívico-militares constituem-se em uma bolha seletiva e perigosa. Viva a educação pública, de qualidade e aberta a todos.

A família do “homenageado” sequer foi consultada sobre a mudança da escola construída na gestão Mário Ortiz