Fiódor Dostoiévski
Recentemente, ao terminar de ler O Jogador, clássico de Dostoiévski, fiquei aturdido pela narrativa de Aleksei Ivanovich, personagem enredado em apostas, e pensei no atual debate sobre as “bets”. Juntei as pontas e tracei paralelos entre a obra, publicada em 1867, e nossa realidade, quase dois séculos depois. No caso russo, eram as roletas e cassinos que causavam frenesi; aqui, agora, são as partidas de futebol e suas variantes: autores, ordem e número de gols, faltas, expulsões… Em ambos os casos, os alvos são tensionados por suspense, emoção da espera, adrenalina no risco e a expectativa de ganho.
No âmago de O Jogador, o protagonista Aleksei era consumido pela tensão de que a próxima rodada mudaria sua vida. Ele flertava obsessivamente com o controle do acaso, acreditando na sorte que haveria de vir, e, nesse aguardo, enredava-se em uma espiral viciosa. Esse mesmo dilema encontra eco na sociedade brasileira contemporânea, onde milhões de pessoas estão imersas nas “bets” a ponto de comprometer as finanças familiares.
A popularização das apostas esportivas no Brasil não aconteceu de uma hora para outra. O terreno foi preparado por uma cultura apaixonada por apostas que vão do jogo do bicho ao futebol. Com a regulamentação parcial das apostas online em 2018, as plataformas rapidamente fidelizaram adeptos. Jogos, que antes eram apenas espetáculos esportivos, agora são também vistos como mágicas oportunidades de enriquecimento. A emoção da aposta vincula-se à perspectiva de um ganho imediato — algo que Dostoiévski descreveu com precisão sobre Aleksei entorpecido ao redor da roleta.
O paralelo entre o protagonista de Dostoiévski e os apostadores modernos está na construção de alternativa quimérica. Aleksei se convence de que pode calcular o sucesso na roleta, assim como muitos brasileiros acreditam “ler” os sinais de uma partida. Ambos caem no erro comum de subestimar o acaso e até a manipulação. Dostoiévski, com seu olhar afiado, mostra como o ser humano cria uma crença no controle do imponderável, na inevitável recompensa após uma sequência de derrotas. Nas “bets”, essa mesma ilusão é amplificada por estatísticas, algoritmos e análises que prometem desvendar o mistério do próximo resultado, levando muitos a acreditar que há alguma chance fatal por trás do jogo.
Porém, assim como Aleksei enfrentava as consequências de seu vício, é visível no Brasil o impacto nocivo das apostas no cotidiano de muitos adeptos. O vício em apostas esportivas é uma realidade crescente, com histórias de pessoas que perdem grandes somas, comprometem relacionamentos e arruínam o bem-estar psicológico. Assim como Aleksei, que aos poucos se afastava da vida social mergulhando em um abismo autodestrutivo, muitos apostadores contemporâneos acabam isolados, deprimidos e devedores.
Além disso, Dostoiévski ressalta um aspecto essencial que ressoa fortemente na cultura das “bets”: a relação entre poder, dinheiro e status. Aleksei não jogava por necessidade financeira, mas por desejo de afirmação social, buscando reconhecimento. Da mesma forma, os brasileiros que entram nas apostas esportivas muitas vezes o fazem com o sonho de ascender rapidamente na escala social, de se libertar das amarras de um sistema econômico que oferece poucas oportunidades de mobilidade. Ganhar na aposta significa, para muitos, um passaporte para uma vida de conforto, status e prestígio.
O curioso é que, mesmo com o avanço tecnológico e as mudanças na forma, as apostas são feitas remotamente e com facilidades tecnológicas que, afinal, repete a relação de risco e recompensa, onde o resultado é, em última instância, incontrolável. Dostoiévski, ao escrever O Jogador, ofereceu uma lição atemporal sobre os perigos do vício, a fragilidade humana e o poder ilusório da sorte. No Brasil de hoje, as plataformas de apostas podem ter mudado o cenário — trocando cassinos e roletas por interfaces digitais e palpites esportivos — mas o impacto sobre a mente humana e as consequências sociais são assustadoramente semelhantes. Para Dostoiévski, o jogo seria uma metáfora para a própria existência, onde a busca incessante por controle e sucesso muitas vezes conduz a abismos.
Assim, ao observarmos o fenômeno das apostas esportivas no Brasil à luz de O Jogador, percebemos que, mesmo em um mundo digital e globalizado, as questões fundamentais da natureza humana continuam as mesmas. O desejo de vencer o acaso, de controlar o destino e enriquecer rapidamente é uma manifestação universal e atemporal. E é justamente esse impulso que faz com que, tanto na Rússia do século XIX quanto no Brasil do século XXI, o jogo continue a ser uma poderosa força de atração — e de destruição.