Prefeito eleito Sérgio Victor (Novo) e o prefeito derrotado Ortiz Júnior (Republicanos)
Democracia exige a consciência de que o novo e a mudança são inexoráveis e não privilégios para amigos. Seria pedir demais?
Ciclotimia, segundo o UOL, “é um transtorno em que a pessoa experimenta momentos de depressão ou euforia subitamente”. Pode durar anos ou a vida inteira. Sem muito esforço, pode ser o resultado do diagnóstico do Brasil, de São Paulo e até de Taubaté. Exagero? Torço para seja um engano de minha parte.
Vamos começar com alguns exemplos macros. Sem querer voltar muito no tempo, meio século ou um pouco mais não alteram a história (ou doença?) dessa “terra descoberta por Cabral”. Da metade do século passado até hoje a bipolaridade (alguns preferem a ciclotimia, detalhe desprezível) faz parte dos mais diferentes governos. Getúlio Vargas enfrentou o sistema, fez sua revolução, foi ditador, foi escanteado por um general de plantão treinado pelos “irmãos” antes e durante a Segunda Guerra, foi eleito novamente presidente em 1950 de onde saiu morto “para entrar para a história”. Virou um mito e deixou como herança o PTB, um partido político que daria muito o que falar.
Repercussão do suicido do presidente Getúlio Vargas
Depois de uma curta pausa, tal qual o tempo entre diferentes capítulos de uma novela, foi eleito o modernoso Juscelino Kubitschek que construiu Brasília. Ao mesmo tempo, tinha uma profunda relação de amor com a indústria automobilística, particularmente com os grandes produtores de pneus que utilizavam a borracha nacional como matéria prima quase exclusiva para sua produção. Saudade do menestrel Juca Chaves com suas modinhas picantes tipo “Brasil já vai à guerra, comprou um porta-aviões, um viva à Inglaterra e 82 bilhões, mas que ladrões”. Juca, que morreu no ano passado, nasceu Jurandyr Czaczkes Chaves. Mas é outra história desse nosso país.
Cumprido integralmente seu mandato, apesar das tentativas de golpe, JK foi substituído por Jânio Quadros, eleito com o jingle “varre, varre vassourinha, varre a bandalheira…”. Não emplacou sete meses de governo quando renunciou acreditando que voltaria ao poder nos braços do povo. Foi substituído pelo vice João Goulart, um gaúcho latifundiário com ideias progressistas. Mas Jânio deixou um mito. Foi eleito prefeito de São Paulo em 1985 quando derrotou FHC, que teve a ousadia de se sentar na poltrona da mesa de trabalho do prefeito antes que as urnas fossem abertas. FHC não ouviu o clamor popular dos eleitores que murmuravam baixinho “O jeito é Jânio”. Ortiz Jr também não e insistiu com filmes em que aparecia tal qual prefeito eleito cercado de bandeiras oficiais.
Ciclotomia: mudanças bruscas de humor
Jango (João Goulart) seria deposto pelos militares em 1964 com o respaldo das senhoras da agremiação TFP (Tradição, Família e Propriedade) que marcharam em passeata com o terço na mão, plutocratas tupiniquins, a maioria do Congresso Nacional, apoio explícito do Departamento de Estado dos EUA e até mesmo do discreto Império Britânico. Jango foi carimbado de comunista e o golpe civil militar de “revolução redentora”. E assim foi durante apenas 21 anos.
Em Taubaté, a bipolaridade sempre foi marcada por mudanças bruscas lideradas por representantes das forças conservadoras que sempre dominaram a política local desde o fim do século retrasado. Nada mudou. O golpe de 1964 foi respaldado pelas autoridades locais – bispo, juiz de direito, delegado de polícia, empresários e até meu pai que era delegado regional de Saúde antes de se transformar em Departamentos Regionais de Saúde. Era preciso recolher fundos através da campanha “Ouro para o Bem do Brasil”.
Politicamente, quase nada mudou. Ou melhor, se mudou foi porque nada podia mudar. E nada mudou. A família Ortiz reflete essa realidade. Bernardo, o Velho, antes de ser implantada a reeleição, foi eleito três vezes e elegeu três sucessores, se indispôs com todos e os batizou de Iscariotes – traidores. Seu filho foi prefeito por dois mandatos. Total: 22 anos. Quem era Bernardo, o Velho? Um representante da TFP. Sua casa na estrada do Quiririm era ornamentada com bandeiras e estandartes (banners) da monarquia. Foi eleito no vácuo que se abriu nos anos 1980. Apesar de suas simpatias pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido criado pela ditadura, o Velho migrou para o MDB para concorrer e vencer a eleição municipal na terra de Lobato com o apoio de universitários progressistas da Unitau. Sua ficha de filiação foi endossada um de seus alunos cujo irmão seria o primeiro Iscariote.
Ex-prefeito Bernardo Ortiz recém falecido
A eleição desse ano elegeu um novo prefeito que é a imagem e semelhança do que tem sido a política local. Tudo deverá como antes. Foi eleito o mais conservador com apoio dos bolsonaristas radicais aglutinados em torno de Pablo Marçal. Ortiz Júnior tentou esboçar alguma modernidade que não encontrou respaldo desse segmento, nem mesmo com o aval do governador, um bolsonarista que tenta alçar voo próprio e, exatamente por isso, bateu de frente com a militância raiz. O voo da candidata oficial foi mais curto que o de uma galinha.
Sérgio Victor não escondeu suas ideias. Era o que me faltava para concluir minha opinião preliminar a respeito do novo prefeito. Quero deixar claro, porém, que estarei na arquibancada torcendo pelo seu sucesso. Afinal, toda regra tem exceção. Por isso, espero que ele 1) respeite o corpo técnico da Prefeitura, um respeitável patrimônio; 2) não ceda à tentação de construir a qualquer custo a maioria dos vereadores para garantir a governabilidade necessária para governar; 3) tenha clareza que não existe enfrentamento ideológico nessa cidade; 4) preserve o patrimônio material e imaterial, com destaque para a cultura; 5) seja transparente e democrático.
Eu não temo o novo e nem mudanças. Democracia exige a consciência de que o novo e a mudança são inexoráveis e não privilégios para amigos.
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