«Mai 68, c’était plus d’autonomie, plus de liberté, plus de communauté» (Edgar Morin no movimento estudantil)

MORIN: UM SÉCULO DE SABEDORIA

Conheci Edgar Morin em 1968, “o ano que não terminou”. Naquele burburinho de uma juventude que queria mudar o mundo, ele já era um “velho” pensador aos 47 anos, respeitadíssimo pelos estudantes da chamada “rive gauche” de Paris. O que aquele velho senhor teria para falar a uma elite estudantil brasileira que julgava saber de tudo? Mas tinha e tem, como prova esse texto feito por ocasião de seu primeiro século de vida (Paulo de Tarso)

“O inesperado sempre acontece, em qualquer época. O mundo não é tão previsível quanto se pensava”

“Fiquei surpreendido com a pandemia, mas na minha vida, costumo ver o inesperado acontecer. A chegada de Hitler foi inesperada para todos.

O pacto germano-soviético foi inesperado e incrível.

O início da guerra da Argélia foi inesperado.

Só vivi pelo inesperado e pelo hábito das crises. Neste sentido, estou vivendo uma nova e enorme crise, mas que tem todas as características da crise.

Ou seja, de um lado gera imaginação criativa e suscita medos e regressões mentais.

Todos nós procuramos a salvação providencial, mas não sabemos como.

É preciso aprender que na história o inesperado acontece e acontecerá de novo.

Pensávamos que estávamos vivendo certezas, estatísticas, previsões, e que tudo estava estável, quando tudo já estava começando a entrar em crise. Nós não percebemos isso.

Temos que aprender a viver com a incerteza, ou seja, ter a coragem de enfrentar, estar disposto a resistir às forças negativas.

A crise deixa-nos mais loucos e sábios.

Uma coisa e outra. A maioria das pessoas perde a cabeça e outras ficam mais lúcidas. A crise promove as forças mais contrárias. Desejo que sejam as forças criativas, as forças lúcidas e as forças que procuram um novo caminho, as que se impõem, embora ainda estejam muito dispersas e fracas. Podemos indignar-nos com razão, mas não devemos trancar-nos na indignação.

Há uma coisa que esquecemos: há vinte anos começou um processo de degradação no mundo. A crise da democracia não é só na América Latina, mas também nos países europeus. O domínio do lucro ilimitado que controla tudo está em todos os países. Idem a crise ecológica. A mente enfrenta as crises para dominá-las e ultrapassá-las. Senão, nós somos as vítimas delas.

Edgar Morin fará 104 anos em julho

Vemos hoje instalar elementos de um totalitarismo. Este não tem nada a ver com o do século passado. Mas nós temos todos os meios de vigilância de drones, telemóveis, reconhecimento facial. Existem todos os meios para surgir um totalitarismo de vigilância. O problema é evitar que esses elementos se juntem para criar uma sociedade totalitária e inviável para nós.

Na véspera dos meus 100 anos*, o que posso desejar? Desejo força, coragem e lucidez. Nós precisamos viver em pequenos oásis de vida e fraternidade.”

*Edgar Morin nasceu em julho de 1921 e completará 104 anos este ano. Tem mais de 20 livros publicados no Brasil e já veio várias vezes ao nosso país para palestras e conferências.