Delegado Fleury (no centro) morreu em Ilhabela na véspera do 1º de Maio de 1979
Vivi pelo menos três inesquecíveis comemorações por ocasião do 1º de maio, nos anos de 1968, 1979 e 1981. Três momentos marcantes dos 21 anos da nossa história recente.
1968
O ano emblemático recheado de acontecimentos antológicos, que Zuenir Ventura chamou de “ano que não acabou”, também registra um 1º de Maio cheio de emoções. Apesar de permanecer quase escondido diante de tantos eventos históricos, foi emocionante tê-los vivido.
O ano para mim começou em março quando a Polícia Militar do Rio de Janeiro assassinou com um tiro no peito o estudante secundarista Edson Luís em frente ao restaurante Calabouço. Ali almoçavam estudantes e trabalhadores que dispunham de pouco ou nenhum recurso. Foi um rastilho de pólvora que se acendeu e que marcaria para sempre aquele ano.
Primeiro de Maio na praça da Sé em 1968 após expulsão do governador
Em São Paulo, invadimos à noite a Faculdade de Economia da USP, onde eu estudava, que amanheceu toda pichada no seu interior com palavras de ordem contra a ditadura militar. Em junho, no Rio de Janeiro, as manifestações isoladas desembocaram na grande passeata dos 100 mil com a participação de estudantes, trabalhadores, artistas, intelectuais e até religiosos. Nesse mesmo mês ocupamos em São Paulo a Faculdade de Filosofia da USP, na tradicional e histórica rua Maria Antônia, que perdurou até outubro quando ocorreu a batalha entre ocupantes da faculdade e estudantes da extrema direita da Universidade Mackenzie com o apoio da Polícia Militar e do Exército. Nesse episódio, antevéspera do 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, morreu o estudante secundarista José Guimarães, assassinado por um membro do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) Osni Ricardo.
No meio de tantos acontecimentos, no dia 1º de Maio o movimento sindical combativo convocou seus aliados para uma manifestação chapa branca organizada pelos sindicalistas pelegos que convidaram o então governador Abreu Sodré. Quando iniciou seu discurso, Sodré foi atingido por uma pedra na testa. A “festa” acabou. Os manifestantes seguiram em passeata até da Praça da República.
Governador Abreu Sodré com curativo na testa da pedrada que levou no 1º de Maio de 1968
Na outra ponta, o governador e dirigentes pelegos seguiram para o Palácio dos Bandeirantes. Na mesma comitiva, Geraldo Vandré, autor e intérprete da música “Para não dizer que eu não falei das flores”, um hino da resistência à ditadura, estava presente e fez questão de prestar solidariedade a Sodré.
1979
O movimento estudantil já estava derrotado. Em seu lugar, o movimento sindical combativo acumulava forças desde 1975. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo era sua parte mais visível.
No dia 1º de Maio, o sindicato promoveu um evento no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo, muito usado pelos metalúrgicos. A festa transcorria normalmente com a participação de familiares com filhos, além daqueles que queriam prestigiar a festa promovida pelos operários.
Flagrante da Vila Euclides em 1979 quando anunciaram a morte de Fleury
Por volta do meio-dia houve um burburinho no palanque. Muita especulação. Até que uma das lideranças assumiu o comando para informar que havia morrido em Ilhabela o famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury. Ainda não havia informações sobre as causas.
A festa ficou mais alegre. E eu só sosseguei quando, em Ilhabela com meu filho de 3 anos, perguntei a um pescador onde era o local onde Fleury morrera. Era num píer do Yacht Club. Emprestei sua canoa e remei até o local. Abaixei o calção e urinei lentamente no local. Orgasmo puro! Só assim terminou meu 1º de Maio.
1981
A ditadura já caminhava para seu inglório fim. O movimento democrático de oposição crescia a olhos vistos. O medo havia sido substituído pelo sonho e esperança. A comemoração do 1º de Maio seria um show com a participação de artistas como Chico Buarque, Elba Ramalho, Gonzaguinha e Fágner, agendado para o Riocentro.
Policiais civis examinam o que restou do Puma pilotado pelo capitão Machado
As catracas registravam 9.892 pagantes. Era só alegria. Poucos ouviram o estouro que veio do estacionamento. Naquele momento, uma bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, carona do capitão Wilson Dias Machado, que dirigia um carro Puma. Alguma força inexplicável impediu uma tragédia maior. Havia pelo menos dois outros petardos que não foram acionados por causa do acidente com a bomba do capitão.
Esse episódio nunca foi esclarecido. Ninguém foi punido. A primeira versão fornecida pelo Exército informava que se tratava de um ato terrorista da organização guerrilheira Var Palmares, que não mais existia. Machado continuou na força militar até sua aposentadoria. O sargento foi homenageado com honras militares. Esse episódio marcou a derrota da direita mais radical das Forças Armadas na sua tentativa de impedir a anunciada abertura democrática e a eleição indireta para o primeiro presidente civil que se realizaria em 1985.
Viva o 1º de Maio!!!