“Assistimos a uma sequência de posicionamentos do Poder Judiciário que acabam por tangenciar, de forma perigosa, o cerceamento à liberdade de expressão no país”, escrevem os industriais mineiros para condenar o inquérito das fake news — e, de passagem, oferecer um apoio implícito ao pedido de impeachment do juiz Alexandre de Moraes. Liberdade, desdobrada em “liberdade de expressão” e “liberdades individuais”, eis a mensagem.
Ministro da Defesa, general Braga Neto é um expoente do bolsonarismo de raiz
A senha emerge, igualmente, em textos assinados pelo ministro da Defesa, Braga Netto, um expoente da agitação bolsonarista entre os militares. Na nota de repúdio às declarações do senador Omar Aziz (7 de julho), o general proclama que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. Pouco depois, em nota de desmentido de ameaças de golpe (22 de julho), ele expressa o compromisso das Forças Armadas com “a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”.
Detalhe: a Constituição atribui às Forças Armadas as missões de “defesa da Pátria”, “garantia dos poderes constitucionais” e, por iniciativa de um deles, proteção “da lei e da ordem”. A “liberdade do povo brasileiro” é uma invenção (in)constitucional de Braga Netto — ou melhor, dos mestres ideológicos que o controlam.
A extrema direita brasileira é uma ideia fora de lugar, uma mercadoria importada, a imitação sem disfarce de um discurso elaborado nos EUA ao longo de mais de dois séculos. Lá, a noção de liberdade foi moldada em oposição aos conceitos de democracia e igualdade perante a lei. A “liberdade dos estados” funcionou como oposição à existência de uma Constituição nacional, depois como alicerce do sistema escravista e, finalmente, como moldura das leis de segregação racial. Hoje, reciclada, a reivindicação fundamenta as legislações destinadas a restringir o acesso às urnas em estados controlados pelos republicanos.
Olavo de Carvalho representa a alt-right de Steve Bannon (d) no Brasil
A alt-right, nova direita americana, dirigida pelo antigo assessor de Trump, Steve Bannon, subordinou a direita cristã tradicional a um caldo ideológico que mescla ideias libertárias e preconceitos nativistas. O comércio desregulado de armas foi abrigado sob a “liberdade individual”. A “liberdade de expressão” converteu-se em passaporte para a difamação em redes sociais ou a conclamação à violência contra as instituições democráticas. A invasão do Capitólio, experimento libertário da alt-right, tornou-se um modelo para a ação estratégica da direita bolsonarista no Brasil.
Liberdade, essa noção elástica, redefiniu o discurso do movimento antivacina nos EUA. As alegações anacrônicas de que as vacinas geram moléstias (autismo!) não desapareceram, mas foram envelopadas na exigência da “liberdade de escolha” ou, no caso da imunização infantil, da “liberdade das famílias”. Sob o impacto das campanhas libertárias, dois quintos dos americanos continuam sem receber nenhuma dose das vacinas anti-Covid, e o sarampo reapareceu em surtos localizados.
Fora da democracia, liberdade é privilégio de uma minoria que tem poder. Os arautos brasileiros da “liberdade” são os saudosistas da ditadura militar que hoje acalentam o sonho de um golpe contra as liberdades democráticas.