Papai Noel está pensando em deixar definitivamente o trenó na garagem.

Depois de séculos voando ao redor do globo, ele finalmente olhou para si mesmo e, exausto, disse: “Chega.” Afinal, percebeu que seu regime de trabalho beirava o escravagismo festivo.

Para começo de conversa, qual outro emprego exige dedicação total em um único dia do ano e ainda cobra preparo nos outros 364? Aliás, 365, porque nem nos anos bissextos dão folga. Durante o ano inteiro, ele supervisiona duendes sobrecarregados que, diga-se de passagem, nunca assinaram carteira nem receberam uma PEC trabalhista. O turnover dos duendes é altíssimo; alguns até fogem para virar estátuas em jardins de mau gosto. E o expediente de Noel seria um escândalo em qualquer inspeção de trabalho: 24 horas ininterruptas de voos, entrega porta a porta vendo todo mundo se empanturrar de peru e rabanada, e nenhuma folga em janeiro para se recuperar da jornada insana.

Papai Noel confidenciou a amigos próximos – leia-se, o Coelhinho da Páscoa e o Saci-Pererê – que estava cansado de ser explorado. “Olha, eu amo as crianças, mas não aguento mais ser ‘o cara’.” Ele estava se sentindo como um jogador de futebol brasileiro em final de Copa: pressionado, exaurido, sem apoio tático e voltando para casa sem taça alguma.

Enquanto isso, o Coelhinho da Páscoa andava por aí balançando a cabeça em concordância. Ele também estava cansado de ser o único responsável pela produção global de ovos de chocolate. “Não é só a entrega, é o processo inteiro! E todo mundo acha que sou um freelancer fofo”, desabafou o coelho.

No meio desse caos, surge o Saci-Pererê, com seu cachimbo e sua risada marota. “Ora, ora, então vocês resolveram reclamar? Me chamem quando souberem o que é ser ignorado!” O Saci, que tem o dia 31 de outubro para brilhar, luta há anos para tirar o véu do esquecimento e competir com o Halloween. “Enquanto vocês se debatem em crises existenciais, eu fico apagando fogo no mato, tentando convencer governos sobre como cuidar das florestas.”

O Saci, aliás, trouxe uma proposta revolucionária: unir forças. “Noel, você pega dezembro e distribui menos presentes, o Coelho fica com a Páscoa, mas troca ovos gigantes por barrinhas de chocolate, e eu assumo outubro de uma vez por todas apenas divertindo os pequenos! Que tal? Cada um no seu quadrado, cada qual trabalhando menos e culpando a inflação pela redução de presentes.” A ideia foi recebida com entusiasmo pelo Coelho, mas Noel parecia cético. “Mas você vai distribuir o quê? Redemoinhos de alegria?” Saci respondeu com um sorriso: “Não subestime meu potencial. Se crianças amam um velhinho de trenó e um coelho de chocolate, vão adorar um perneta que faz travessuras.”

Enquanto o trio discutia estratégias, as manifestações trabalhistas no Polo Norte ganhavam força. Os duendes fizeram piquetes com cartazes escritos: “Chega de Ho-Ho-Horror!” e “Queremos plano de saúde e férias!” Noel, incompreendido e já sem a coragem de antes, começou a considerar seriamente a aposentadoria.

Essa tentativa de aposentadoria, no entanto, não foi bem recebida pelos líderes das nações consumistas. Governos de países ricos estão propondo sanções caso Noel abandone o trenó. Um político europeu chegou a dizer: “Não podemos deixar que ele desista, é questão de segurança econômica mundial!” Já no Brasil, a reação foi mais amena: “Se ele quiser virar MEI, é só baixar o app do governo.”

No final das contas, o que uniu Noel, o Coelho e o Saci foi o sentimento de injustiça: todos são símbolos importantes, mas têm seus esforços subestimados. Inspirados pelo exemplo dos trabalhadores comuns, resolveram montar uma associação: a União Mística dos Trabalhadores Festivos (UMTF). “Nosso lema será: Todo mundo merece um feriado de verdade”, declarou o Saci. E fazia sentido, pois bastava empobrecer a população que todos consumiriam menos. “Esta é a lógica capitalista”, exclamou o velhinho, já cansado de ser eternamente “bom”.

Quanto ao futuro, Noel optou por uma transição gradual. Este ano, vai entregar cartinhas junto com os presentes: “Estou pensando em sabático. Aceitem redemoinhos de alegria em outubro e coelhos mais humildes na Páscoa. Quanto ao Natal? Talvez rolem presentinhos mais modestos ou mais “Amigos secretos”.”

Noel, levando a sério a possibilidade de aposentadoria, sonha em viver tranquilo em uma casinha nos trópicos, cercado de coqueiros e sem relógios. Enquanto isso, o Saci, como novo chefe da UMTF, ensaia sua campanha natalina revolucionária: “Deixe o trenó no passado, viaje de redemoinho!” Já o Coelho, mais calmo com o fim dos ovos gigantes, aproveitou para abrir um curso de mindfulness para criaturas míticas.

Pelo visto, a magia das festividades será reinventada – com direitos trabalhistas e mais qualidade de vida para todos os envolvidos.