Beija Flor, a campeã de 2025, homenageou Neguinho, que se despediu após meio século como seu puxador

Houve um tempo em que concordava com alguns chavões sobre o carnaval carioca. Dizia-se sobre escolas de samba, por exemplo: viu uma, viu todas; viu um desfile, não precisa mais ver outros, pois são todos iguais. Sobre blocos de rua, as mesmas loas ecoavam: multidão de gente com pouca roupa e muita animação, assaltos e roubos de celulares, muita gente urinando fora dos gabinetes químicos, brigas e beijos. É preciso lembrar que os turistas – estrangeiros ou não – sempre se encantaram com o espetáculo, e que o temor e estranhamento faziam parte da sensação da festa. Também vale dizer que os noticiários, jornalísticos, radiofônicos ou televisivos insistiam em repetir as mesmas imagens e narrativas, a ponto de fazer parecer que o que era dito em um ano poderia se aplicar a qualquer outro.

Pois bem, chegou o carnaval de 2025, e muita coisa mudou. A fantasia da diferença saiu às ruas e, ainda que algumas ausências tenham sido notadas – o bloco da Preta Gil, por motivo de saúde da cantora, não se fez presente – outras figuras mantiveram a tradição, como Anitta, Ludmilla e, principalmente, o velho Cordão da Bola Preta. O mesmo se deu com os blocos Carmelitas, Banda de Ipanema e Simpatia é Quase Amor, entre outros. Mas o que realmente renovou o jeito celebrativo foram os novos grupos de bairro, que trouxeram frescor e identidade própria às ruas do Rio de Janeiro.

Preta Gil foi a diferença ausente por motivos de saúde

Independentemente das novidades, porém, um fator chamou mais atenção que qualquer outro: um certo clima de harmonia e concórdia. Não estou dizendo que a violência desapareceu – ainda houve incidentes, mas foram menos frequentes. O que surpreendeu foi a diminuição do clima de polarização política. Pelo contrário, máscaras de Fernanda Torres foram usadas por foliões de diferentes espectros, e a atriz acabou se tornando uma espécie de madrinha informal do carnaval. No início, pensei que a cerimônia do Oscar pudesse competir com os festejos de rua, especialmente com as indicações brasileiras. Ledo engano. Em vez de concorrência, houve sintonia: o orgulho nacional pelas nomeações cinematográficas se fundiu à euforia carnavalesca e ajudou a unir extremos polarizados.

Mas uma das tendências mais marcantes foi a reafirmação do convívio religioso no desfile das escolas de samba. Se em outros tempos algumas manifestações religiosas se recusavam a dialogar com tradições de matriz africana, este ano o tom foi diverso. O que se viu na Marquês de Sapucaí foi uma grandiosa celebração da diversidade espiritual brasileira. Entre tantas escolas que trouxeram essa temática, vale destacar a Beija-Flor de Nilópolis, que emocionou com um carro alegórico majestoso no qual um Nosso Senhor do Sagrado Coração era ladeado por orixás e referências indígenas. As coreografias estavam impecáveis, os estandartes reverenciavam a ancestralidade e os carros alegóricos traduziram em arte o espírito conciliador da festa. Outra que se destacou foi a Mangueira, que relembrou a influência africana e católica em sua comunidade, exaltando a fé do povo que constrói o carnaval e a cultura do país. O impacto foi tão forte que até setores tradicionalmente mais críticos ao carnaval reconheceram a beleza e a profundidade dos enredos apresentados.

Mangueira destacou a influência africana e católica na comunidade

Confesso que minha conversão respeitosa às novidades ganhou destaque com uma história emocionante. Uma repórter, por alguma razão, notou na arquibancada do segundo dia de desfile uma senhorinha solitária chamada Maria de Fátima. Para comemorar seus 60 anos, ela havia economizado tudo o que pôde durante anos para finalmente ver sua escola do coração, a Portela, desfilar. Mas errou a data: a azul e branco de Madureira seria a última a entrar na avenida, apenas no terceiro dia. Quando a história foi revelada, a magia do carnaval fez sua parte. A diretoria da escola soube do ocorrido e, num gesto de pura generosidade, providenciou hospedagem, refeição e uma nova passagem para que Maria de Fátima, que viera do Tocantins após 20 horas de ônibus, pudesse realizar seu sonho.

E por falar na Portela e na redenção que o carnaval de 2025 proporcionou, é impossível não mencionar o desfile que homenageou Milton Nascimento, o nosso Bituca. Depois de ter sido desrespeitado na premiação do Grammy, onde seu lugar de honra foi tomado em um episódio vergonhoso, ele recebeu a mais bela reparação possível: sentado em um dos carros alegóricos mais grandiosos da Sapucaí, foi ovacionado pelo público que entoava suas canções como um coro celestial. A resposta do povo brasileiro à injustiça internacional veio em forma de samba, melodia e poesia.

Bituca emocionado: “Foi o dia mais feliz da minha vida”

Enfim, o carnaval passou. As escolas vencedoras comemoram, os turistas voltam para suas casas, e o que fica? Mais do que a lembrança de uma festa bem-sucedida, resta a esperança de que o ditado popular seja levado a sério. Se tudo no Brasil começa depois do reinado de Momo, que possamos, de fato, ter um feliz ano novo. Que este carnaval tenha sido não apenas um espetáculo, mas um prenúncio de tempos melhores.