No feriado de 12 de outubro de 1977, o Palácio do Planalto amanheceu protegido por soldados e atiradores de elite em posições estratégicas. O presidente da República decidira exonerar seu ministro do Exército, Sylvio Frota, que era abertamente contra o processo de abertura lenta e gradual na política brasileira. Dia de Nossa Senhora Aparecida para os católicos ou de comemorar a Descoberta da América, no Brasil ocorreu o confronto decisivo entre os partidários da democracia e os defensores do regime fechado conduzido pelos militares.
Geisel enviou emissários ao aeroporto de Brasília, onde ocorreu o estica e puxa político-militar. Uns eram convencidos a ir para o quartel-general do Exército; outros, para o Palácio do Planalto. O presidente venceu o confronto, determinou a exoneração de seu ministro do Exército, que foi substituído pelo general Fernando Bethlem. Este lance pavimentou o caminho para o general João Baptista Figueiredo subir a rampa do Planalto e promulgar a Anistia. Coube aos integrantes da chamada linha-dura amargar a derrota, cuidar das feridas e resmungar no fundo de cena política.
Bolsonaro, herdeiro da linha dura: de capitão a presidente
Os herdeiros daquela turma de perdedores se espalharam pela babel brasileira. Uns se envolveram com o negócio das drogas, que no final dos anos 70 passou a ter maior presença no Brasil. Os jogos de azar atraíram alguns, outros decaíram para o grupo de ladrões profissionais do Erário público e milicianos que infestaram áreas não protegidas pelos governos locais e nacional. Militares indignados sempre houve. O jovem militar Jair Bolsonaro foi punido por tentar colocar bomba no quartel por causa de baixos salários. Ele sempre se manifestou contra a Anistia. Este tipo de pensamento persiste, latente, na sociedade brasileira.
Ou seja, há quem, até hoje, seja contra a anistia de junho de 1979. Essa posição implica em não admitir a convivência pacífica dos antagônicos no mesmo espaço político. O presidente Bolsonaro é herdeiro desta turma. Ele nunca escondeu a admiração pelo coronel Brilhante Ustra, acusado de ser torturador de presos políticos, nem sua alergia a assuntos ligados ao meio ambiente e à questão de gênero. Está gostando cada vez mais de exercer o poder de comando e dispor da prerrogativa de ter a palavra final. Nomeia com prazer e demite com humilhação, inclusive generais. Nada o detém. Nem mesmo o descrédito internacional decorrente da possível nomeação do filho, Eduardo Bolsonaro, embaixador do Brasil nos Estados Unidos. As credenciais dele indicam que fala bem inglês e já fritou hambúrguer no estado do Maine.
Essa é uma síntese da política dos últimos anos. A esquerda evoluiu junto com o Partido dos Trabalhadores, cujo líder, Luiz Inácio Lula da Silva, jamais foi comunista. Ele se envolveu no projeto bem articulado do então deputado José Dirceu, que se aliou a outras legendas para tentar buscar a hegemonia no país. Quase chegou lá. Perdeu-se dos objetivos quando os dinheiros e os interesses começaram a guiar suas prioridades. O comando trabalhista não conseguiu reencontrar seu eixo, não admitiu acordos, nem fez a necessária autocrítica. Marchou para a derrota.
General Sylvio Frota, ministro do Exército demitido por Geisel
Quem tem boa memória vai lembrar que o então ministro do Exército, Sylvio Frota, apresentou ao país, em 1977, uma lista de 98 comunistas que estariam no governo federal. Uma provocação ao presidente Geisel. O terceiro nome na relação era o de Dilma Rousseff. Hoje, mais de 40 anos depois, a extrema direita sucedeu a extrema esquerda. Os sucessores de linha dura militar, aqueles que eram contra a abertura democrática e a Anistia, assumiram o poder. Os generais de hoje, próximos do presidente da República, representam o último bastião da centro direita na política brasileira. Mas o risco é grande. Eles estão na linha de tiro.