Palavras ainda perfeitamente válidas estão sendo canceladas e substituídas por outras em pedantês
Ainda veremos o dia em que o futebol brasileiro será disputado por jogadores de paletó e colete. É só observar o colarinho duro com que os profissionais do meio —narradores, treinadores e os próprios craques— passaram a se referir a coisas no fundo muito simples.
Jogador ou time, ninguém mais joga bem — “faz bom jogo”. Alguém que desarma um adversário e parte para o ataque é porque “teve uma leitura adequada” do lance. Times ofensivos agora são “propositivos”. Já os que se fecham e jogam no contra-ataque são “reativos”. E, outro dia, um comentarista disse na TV que tal sistema de jogo “demandava percepção cognitiva” —e ninguém na mesa riu.
Estamos diante de uma nova cepa (epa!) do pedantês arcaico, o titês, criado pelo treinador Tite, da seleção. Nele, os antigos e velozes pontinhas dribladores tornaram-se os “extremos desequilibrantes”. O vulgar “dar conta do recado” foi promovido a “performar”. E os estudiosos conseguiram traduzir um tijolo em que se lia “sinapse no último terço”, mas não sabem o que significa. Os infelizes comandados pelo citado Tite também não.
Tite seria o criador do pedantês no futebol
O futebol, na verdade, apenas reflete uma novilíngua geral no Brasil, em que palavras ainda perfeitamente válidas estão sendo canceladas e substituídas por outras aprendidas de ouvido na internet. A velha e confiável “eficiência”, por exemplo, deu lugar a “efetividade”. Ninguém mais é “forte” ou “resistente”, mas “resiliente”. O lindo e sensual “atraente” foi chutado do léxico pelo “atrativo”. E “audiência” deixou de ser aquilo que se media para saber quem estava na escuta, tragada pelo inglês “audience”, que significa “plateia”.
Quando se faz algo exato, delicado, no detalhe, diz-se que foi “cirúrgico” —como se uma cirurgia, qualquer uma, não fosse um banho de sangue. E nunca se usou tanto a palavra “empatia”. Logo hoje, em que ela está mais em falta do que nunca.